Relaxe, você só está diante de um texto. Para lê-lo, deve estar, antes de tudo, com foco. Isso, solte os ombros. As primeiras linhas são um pouco mais lentas mesmo, é a parte de adaptação com o processo de escrita do autor. Depois, com alguma disposição (e uma ajudinha do talento do autor), você vai se acostumar mais fácil. Ache sua posição, não dê atenção ao som que a cadeira faz quando você se mexe. Sei que ler ao computador é mais difícil. Todas essas janelas piscantes e coloridas aí abaixo competem com as pequenas, fracas e insossas palavras diante de você. Mas acredite, o desafio maior está aqui, e vencê-lo dará um prazer inigualável a você. Ok, agora você parece mais focado, está querendo saber que diabos é esse desafio, certo? Eu, como escritor, poderia fazer um suspense e não dizer logo de cara, ou poderia dizer agora mesmo, poderia inventar outra história, sem desafio algum, e fazê-lo esquecer dessa: tenho o leitor nas mãos. Não! Não! Espere, sei que é o contrário, você tem o texto em mãos e olhos, pode finalizá-lo agora e ir se dedicar a outras coisas se quiser. Aquilo ali acima foi um recurso provocativo. Nós, escritores, subordinados a vocês, temos que confundi-lo a fim de envolvê-lo e, só então, esclarecê-lo.
Bem, então vamos mais diretamente ao assunto, certo? Vamos, porque eu ainda vou a ele também, escrevo à medida que você lê. Se você ainda não leu, não foi escrito. Escreve-se para quem lê. É dependência mesmo. Por isso alguns escritores são um tanto “enrolões”. Na verdade, é pura carência. Não saia agora, vou contar um causo então, não é um causo que você quer? Uma história, uma experiência? Eu conto. Acho impressionante como há pessoas que conseguem ler em situações totalmente adversas. Lembro-me do meu irmão. Durante o recreio, no colégio, juntavam-se as séries todas do colégio no pátio e tome a conversar, escutar a rádio do colégio, agüentar a berradeira dos mais novos ou dos mais exaltados. A quadra ficava ao lado do pátio, então ia pra ele também todo o barulho do futebol de trinta (variação do futebol, onde trinta pessoas jogam — todas contra todas, só pode ser — a fim de marcar um gol — em qualquer barra). Em meio a tudo isso, sentado, com o livro Xadrez, truco e outras guerras, de José Roberto Torero, está meu irmão, lendo. Lendo sem a mínima desconcentração. Eu e uns amigos, ao redor dele, falando muito alto; o rádio me incomodava porque competia comigo, e meu irmão impassível. Impressionante leitor que ele é, respeita o texto. Você deveria seguir o exemplo dele. Calma, não é uma repreensão, mas uma sugestão, talvez você já siga, ou mesmo seja melhor leitor ainda.
O leitor é um sujeito temperamental e vaidoso. É um risco escrever sobre ele, sobre você. Você sempre espera que o texto o surpreenda, mas luta bravamente contra isso. “Sabia!”, fala, ao descobrir o mistério de Assassinato no Expresso do Oriente, de Agatha Christie. Mas ninguém sabia. Não havia como saber. Não importa. O leitor sabe. Ele tem o controle do texto, ele faz o texto. Ele pára de ler neste momento, responde uma pergunta de um amigo (seja na internet, seja o colega do lado) e volta a ler, quebrando o raciocínio do autor. Mas ele é piedoso. Ele volta no texto, retoma o raciocínio, e refresca a felicidade do autor. O ato de ler é mais importante que o de escrever. Porque ler é escrever. Escrever não implica necessariamente em ler. Tem gente que nunca lê o que escreveu — geralmente são os que escrevem mal, permitam-me falar como um leitor por um momento.
E então você vai chegando ao final do texto. Sempre há um ar de poeira baixando, de suspense pré-alívio. Às vezes o final não é feliz, mas e daí? O importante é que o texto acabou. Que alívio, que sensação de liberdade. Feliz é o final que acaba com o texto. Não importa o número de mortes, o volume de lágrimas derramadas, o importante é que a última palavra finalize o texto. É curioso escrever sobre ler, e mais curioso deve ser ler sobre ler. O leitor, no momento final de um texto como este, sente-se um titã, ele é o melhor, o contemplado, o homenageado. Mas, infelizmente para você, no fim das contas, a dependência escritor–leitor não é tão grande, pois daqui pra frente, graças ao escritor, se você seguiu todo o texto do começo ao fim, acaba aqui sua função de leitor nessa história. Pois daqui para baixo só há o branco, o escritor não te deu mais nada, você tem que criar. Agora é sua vez de depender de um leitor. Parabéns, você, agora, também é um escritor.
Tão, mas tão, mas tão, mas tão, mas tão, mas tão, mas tão ruim essa crítica.
Bem, sobre ontem, não posso falar pelos demais shows, que não vi, mas quanto ao da banda A Caravana do Delírio, creio que foi bastante mal comentado nessa crítica. Não por falar mal da banda, algo completamente legítimo, afinal “cada cabeça é um mundo”, como diz o senso comum, e completando com Cartola, “o mundo é um moinho”, resumindo: Todos têm o livre direito de gostar ou não da banda ou ter gostado ou não do show. De fato, não preciso estender-me explicando o que vem a ser a tão deturpada democracia na qual vivemos; necessito, porém, explicar, infelizmente, o que vem a ser “parcialidade jornalística”. Concordo, respaldando-me nos direitos inalienáveis de todo cidadão, que cada um é livre para expor suas opiniões; discordo, no entanto, de que para isso seja preciso fazer uso de termos pejorativos e de extremo mau gosto. Assim, espero que tenha ficado clara a nada tênue diferença entre ser imparcial (algo impossível) e ser anti-ético (algo reprovável). Parabéns, Hugo, você é um excelente exemplo do jornalismo sensacionalista, que preza pela audiência em detrimento da qualidade dos próprios textos.
(Esse comentário foi postado ontem, mas, infelizmente, foi apagado por alguém maduro o suficiente para falar o que quer, mas que ainda encontra-se na puberdade e não agüenta ouvir o que não quer, assim é muito fácil falar mal das bandas, não?)