domingo, 10 de fevereiro de 2008

Quinta, sexta e sábado.

Nas férias os dias ficam mais longos e sobra tempo para apreciar o que realmente merece apreço. Quinta sai andarilhando, como de costume, pelas ruas da minha amada cidade. O destino foi o Poço da Panela, bairro bastante arborizado com ruas de pedra, onde mora o ilustre Ariano Suassuna. A calmaria do local remete às cidades interioranas, o som máximo é o canto dos pássaros. Os casarões antigos ou novos sugerem um certo ar de riqueza, alertando que se trata de um bairro nobre. Caminhei pelas ruas ladrilhadas durante algum tempo e percebi algumas "pracinhas", um busto de Mané alguma coisa, um campo de vôlei e uma pequena Igreja. Vi, ainda, um pouco do rio Capibaribe que se atreve a passar por lá. Logo na rua Real do Poço, uma perpendicular à avenida Dezessete de Agosto, nota-se o fim do asfalto e o início das ruas de pedras. A quantidade de verde no local também é admirável, algumas casas, inclusive, ostentam palmeiras reais nas calçadas. Fugindo do clima dos casarios, vi dois condomínios fechados, três ou quatro apartamentos, algumas ruas fechadas, uma academia e um colégio, que para não se diferenciar tanto da paisagem, é verde. Há uma realidade contrastante naquela ambientação tão bonita, algumas casas apresentam-se com fachada, digamos assim, não tão nobres. Literalmente às margens do bairro, existe uma parcela populacional de nível financeiro bastante inferior ao dos donos de Hilux que também moram nas redondezas. Depois de "xeretar" a vizinhança e sem obter o sucesso de encontrar a casa do mestre armorial, voltei à movimentada e bastante comercial Avenida Dezessete de Agosto.
Na sexta, ontem, tive um dia mais recluso e musical. Sob o lema de descansar, coloquei as pernas para o ar, como sugeriu Ascenso Ferreira, e permaneci em casa admirando a genialidade de Chico Buarque de Hollanda cantando as músicas que não canso de ouvir. Fiquei, então, a curtir as canções de protesto e deleite-me ao som das faixas do cd O Político. A letra de Acorda Amor, como de costume, chamou minha atenção com seu lirismo e dramaticidade contextual que bate à porta: "Era a dura, numa muito escura viatura".
Hoje, sábado, optei por enclausurar-me no conforto de casa e novamente assistir a Hair, de Milos Forman. O filme do tcheco naturalizado norte-americano foi um sucesso na década de 70 e continua bastante atual, mesmo que seu contexto histórico tenha mudado, afinal o "imperialismo" americano continua em voga. A irreverência do filme ao mostrar os "bastidores" do que foi a Guerra do Vietnã, a popularidade das drogas e o amor-livre dos hippies torna-o muito relevante, inclusive, como referência daquela época. As cenas hilárias, reflexivas e tristes no cenário de Nova Iorque ainda emocionam bastante; ao assistir, fico sempre na expectativa da mudança no desfecho, que me rouba algumas lágrimas.

*Recomendo o passeio, a música e o filme.
**Créditos a Rafael, sempre presente.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Centenária.

A figura chave do feminismo sessentista nascia, em pleno inverno parisiense, há 100 anos, fruto da decadente aristocracia e da alta burguesia à beira da ruína. A paixão pelos livros foi incutida através do pai, que voltou de uma curta participação na guerra, em 1914, mais dedicado à família. A personalidade audaciosa e o hostil criticismo à sociedade, no entanto, só foram adquiridos mais tarde por influência de amizades. Na adolescência, devido ao desastre econômico da família, a jovem começa a sofrer fortes humilhações advindas de seu próprio pai, que a vê como uma mulher pobre e feia destinada ao fracasso matrimonial e, conseqüentemente, social. Então, sob o lema de "vencer depressa", a fim de livrar-se do conservadorismo da família, Simone de Beauvoir não hesita ao ingressar na Sorbonne estudos filosóficos. Posteriormente, na universidade, conhece Jean-Paul Sartre, com quem fará um curioso "pacto", que consistiu basicamente na supressão da monogamia em prol do maior conhecimento da alma humana. Formaram, assim, o casal mais célebre do século XX, embora morassem em casas separadas. No fim da década de 50, Beauvoir causa grande escândalo na sociedade com a publicação dos dois volumes do livro O Segundo Sexo, que quebra importantes tabus ao falar sobre o corpo da mulher e a sexualidade feminina. As vendas foram um grande sucesso, mas lhe renderam severos ataques, inclusive por parte dos amigos, além do livro ter sido posto na lista do Index pelo Vaticano. A posição favorável à libertação argelina a torna ainda mais vulnerável a observações de caráter ultrajante por parte da parcela social pró-colonização. Na sociedade vigente, Simone de Beauvoir ainda é lembrada como uma grande feminista da década de 60, sendo considerada responsável por uma verdadeira bíblia a favor das mulheres. Nenhuma outra escritora, dita feminista, fez tanto sucesso quanto ela, nem mesmo a inglesa Virginia Woolf. Duramente ofendida após publicação do livro A Mulher Desiludida, Simone deixa uma perspicaz mensagem à sociedade, afirmando que o "mal" não é o casamento, mas sim a mulher submissa: "É preciso que as mulheres trabalhem". Ela dizia que não se nasce mulher, torna-se mulher, explicando a questão da mulher por um viés cultural e não biológico. Há referências à escritora também na questão do aborto, que foi, graças ao Manifesto das 343, assinado por ela, legalizado em 1975, na França. Escreveu, ainda, um ensaio com temática bastante atual e diferente da costumeira, alertando o mundo para a questão dos idosos em A Velhice: "É preciso que todos os homens permaneçam seres humanos durante todo o tempo em que estiverem vivos". Devido à importância para a sua época e para gerações futuras, escrevi sobre a frágil garota, a determinada mulher e a ilustre velhinha, Simone de Beauvoir, que merece a nossa atenção, leitura e homenagem.