terça-feira, 30 de junho de 2009

A morte como renascimento

Esse título é bem paradoxal. É preciso morrer para ter seu potencial outra vez valorizado? Incrivelmente, para alguns, a resposta é sim. Peço licença para brevemente falar sobre Michael Jackson. Não se preocupem, não irei fazer um levantamento biográfico dele. Isso, vocês podem encontrar em demasia por ai. Além disso, como todos mais ou menos acostumados em ler as postagens do blog de Gabi sabem, aqui escrevemos sobre cinema, coisas do cotidiano, política, economia, e claro, música. Por isso, vou tentar responder a pergunta inicial.

Não se discute a importância artística de Michael Jackson, e nem é uma questão de modismo escrever sobre o assunto. Por quê? Simplesmente, porque tudo isso que hoje conhecemos como música pop, principalmente a construção de um videoclipe com elementos narrativos associados a uma estética e a um visual próprio, surge com ele. Além disso, é um dos primeiros, se não o primeiro, a fazer a junção entre R&B, funk, dance e rock. Todos esses elementos podem ser percebidos em dois álbuns clássicos, e sinceramente, os únicos que me interessam – “Off the Wall” e “Thriller”. Lembrando apenas que o álbum “Like a Virgin” da Madonna também é da época, e segue o mesmo estilo artístico. Para não ficar cansativo, até porque temos o youtube ao nosso dispor, colocarei apenas, o clipe de “Thriller”, provavelmente conhecido de todos, mas que sempre vale a pena ser visto, principalmente por refletir o cenário revolucionário debatido anteriormente.

Entretanto, todo esse sucesso e talento fizeram de Michael um ser excêntrico. Desde a época dos “The Jackson 5” era tratado como estrela. Com o sucesso dos álbuns solos na virada para os anos de 1980, lucrou alto. Altas também foram suas exigências. Com gastos milionários, escândalos envolvendo crianças e uma mutação incessante do seu corpo, foi “perdendo” espaço e força no cenário musical. Na verdade, vivia de um passado inesquecível, que nem de perto se assemelhava com os trabalhos recentes. Ele se desvirtuou na busca por um corpo inventado pela sua mente, fazendo da sua própria vida um trágico show. Sim, no caso de Michael Jackson, morrer foi lucrativo. Engraçado é que o cara que transformou e inventou a moderna indústria cultural vendendo milhares e milhares de discos, até na morte repercutiu como poucos na mídia internacional. Atrevo-me a dizer que há bastante tempo não se ouvia tanto o seu nome. Agora, resta esperar que o seu legado não seja esquecido. E não vai, sempre haverá alguém que tente reproduzir seus passos como se estivesse em gravidade zero.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Divagação acerca do amor

Ontem, depois de postar, não consegui dormir com facilidade. Na cama, fiquei refletindo se, ao fazer referência ao filme Meu Primeiro Amor, eu não estaria confundindo amor e paixão. Bem, ouvi a "lição" (Uma paixão não anula a outra) quando me explicavam que estar apaixonada por X, não impede uma paixão por Y. Não sei se concordo com tal pensamento, mas ele chamou a minha atenção por seu caráter simultâneo, que, quase sempre, é proibido nos relacionamentos. Destacando, falou-se em paixão e não em amor, em momento nenhum a palavra "amor" foi mencionada.

Ao escrever o post anterior, eu meio que disvirtuei o sentido original da "lição". Para mim, ainda que Vada Sultenfuss (a garota do filme) apaixone-se por outro garoto durante a sua vida, sua paixão por Tomas (Macaulay Culkin), jamais será anulada, de forma que ela nunca o esquecerá. Posteriormente, atinei-me para o fato de que, como diz o próprio nome do filme (Meu Primeiro Amor), não se fala em paixão. Nesse momento, embolei-me na cama e perdi o sono tentando descobrir o limiar entre tais sentimentos.

Assim, lembrei do outro Tomas, personagem do livro A Insustentável Leveza do Ser (que ainda não terminei), e questionei-me se ele realmente ama Tereza, já que a trai com outras mulheres. Ele justifica-se com o fato de que nenhuma delas ameaça a posição que Tereza ocupa em sua vida. E, por isso, Milan Kundera escreveu, em "defesa" de Tomas:
Tomas pensava: deitar com uma mulher e dormir com ela, eis duas paixões não somente diferentes mas quase contraditórias. O amor não se manifesta pelo desejo de fazer amor (esse desejo se aplica a uma série inumerável de mulheres), mas pelo desejo do sono compartilhado (este desejo diz respeito a uma só mulher).
[Recorte do cartaz de Dona Flor e
Seus Dois Maridos, o filme]

É possível trair alguém que se ama? Para alguns, a fidelidade nem sequer existe; outros acham que amor é uma utopia. A partir de quando um gesto ou uma palavra é (ou pode ser considerado) uma traição? Afinal, o que é o amor e como a paixão o influencia?


P.S.: Estou meio sentimentalóide, acho que a culpa é de A Insustentável Leveza do Ser.

Lição de anteontem: "Uma paixão não anula a outra"

Certas coisas são inesquecíveis.

[Cena do filme Meu Primeiro Amor - My Girl]

Marcella diz:
eu nunca concordei com o fim [do filme]
gabi diz:
nem eu
gabi diz:
nem eu
gabi diz:
nem eu
gabi diz:
vou acrescentar isso [este diálogo] na postagem
gabi diz:
sajdhsakdjhsakjdhsakjdsa
gabi diz:
posso?

sábado, 27 de junho de 2009

Insustentável

Tomas pensava: deitar com uma mulher e dormir com ela, eis duas paixões não somente diferentes mas quase contraditórias. O amor não se manifesta pelo desejo de fazer amor (esse desejo se aplica a uma série inumerável de mulheres), mas pelo desejo do sono compartilhado (este desejo diz respeito a uma só mulher).

[A insustentável leveza do ser - Milan Kundera]

quinta-feira, 25 de junho de 2009

São João: eu acho é bom!

Na tradicional véspera de São João, fui a uma festa em Aldeia. Há muito tempo não vejo um festejo junino tão típico. Claro que estava longe de poder ser comparado aos que acontecem no interior (em Petrolina e Juazeiro, por exemplo), mas trouxe um pouco da tradição que as pessoas da capital, "engaioladas" em seus apartamentos, desconhecem. Desde que abandonei minha casa e fui morar em prédio, fui obrigada a esquecer fogueiras e fogos.

Com um trio de forrozeiros, a festa foi animada com músicas do legítimo pé-de-serra, num clima tão família que remontava ao interior. Diferentemente do que, em geral acontece em Gravatá, por exemplo, onde as pessoas vão às ruas desfilar com suas botas e dançar canções do forró estilizado; na festa havia as roupas e as comidas típicas, os fogos e a uma linda fogueira. Idosos, adultos e criança juntos, todos com uma única preocupação: se divertir. Que saudade que eu tava disso!

No dia do santo, ontem, em busca de mais diversão, dancei a noite toda o forró de Alceu Valença na praça do Arsenal da Marinha. O chão tremia com a animação das pessoas e eu não conseguia tirar o sorriso do rosto por estar com pessoas tão queridas. Depois do show, na mesa do (bar) Novo Pina, foi o momento de conversar um pouco. Como num filme, quatro amigas compartilhavam segredos, davam conselhos e falavam sobre o amor. Cada qual com uma visão diferente desse sentimento; havia quem nunca o tivesse sentido, quem desacreditasse sua existência, quem amasse e quem quisesse desamar.

De tão tarde, o garçom trouxe a conta que não pedimos e começou a recolher as coisas sobre a mesa. Então, seguimos com a prosa rumo ao Marco Zero para ver o sol nascer do ângulo mais bonito e depois voltarmos às nossas casas. E foi assim, a fogueira apagou, agora só ano que vem.

terça-feira, 23 de junho de 2009

"Meu mundo [balão] caiu"

Desde que me entendo por gente, sempre que escutava Petrolina Juazeiro, de Luiz Gonzaga, eu pensava em Juazeiro do Norte, no Ceará. Hoje (sim, só hoje), sem nem sequer estar ouvindo a música, atinei-me para o fato de que ela remete - claramente - a outro Juazeiro, o município baiano, como a própria letra da canção sempre alertou e eu nunca percebi.

"Atravessava a ponte, ai que alegria, chegava em Juazeiro, Juazeiro da Bahia"

A desconfiança (bastante tardia) sobre o meu equívoco começou quando, pensando na música, lembrei da grande referência que ela faz ao Rio São Francisco, que é divisor dos municípios que dão nome à canção. Assim, raciocinando geograficamente, percebi que tal rio não banha o Estado do Ceará e que o Juazeiro da melodia era outro.

"Na margem do São Francisco, nasceu a beleza"

domingo, 14 de junho de 2009

Futebol: dos primórdios até hoje em dia

Quando eu era criança, só havia uma televisão na minha casa, assim, por várias vezes, fui "aconselhada" pelo meu pai a trocar os desenhos por jogos de futebol. A princípio, eu ficava realmente irritada, achava tudo aquilo bastante sem graça. Depois, ao perceber que não adiantaria reclamar, entrava no espírito do jogo e ficava aperreando meu pai e meu irmão, falando que estava torcendo para o time dos jogadores de preto (o trio de arbitragem). Eu sabia que eles não eram jogadores, falava brincando, e achava graça quando explicavam o meu equívoco.

Meu primeiro contato (relativamente) consciente com o futebol ocorreu na Copa de 1994, da qual lembro muita coisa, ainda que só tivesse cinco anos. Recordo-me dos jogos do Brasil contra Camarões, Holanda... Contudo, a partida que realmente está mais marcada na minha memória é, naturalmente, a final. Naquele dia, minha casa foi o local de encontro de muita gente para assistir a aquele jogo emocionante e bastante tenso. Eu estava cercada de adultos e tinha vergonha de manifestar minha ansiedade e gritar com os gols, mas permanecer calada com o chute mais lembrado (?) da história do futebol mundial, desde que eu me entendo por gente, foi impossível. Gritei mesmo sem saber o que aquela vitória significava, gritei contagiada por aquela alegria de quem não via o Brasil ser campeão do mundo há vinte e quatro anos.

Na Copa seguinte, eu estava mal acostumada com a histeria de Galvão Bueno em 1994 e achava que o Brasil sempre seria campeão. Confesso que lembro bem menos da Copa de 1998, acho que o inconsciente me fez esquecer daquele jogo terrível contra a França. Naquele dia, meu mundo caiu, pensei que a seleção era invencível e ela me decepcionou, não agiu. Eu assisti a aquele jogo sem acreditar que aquilo estava acontecendo e esperei até o último minuto pelo empate e pela virada, que não vieram.

Aos dez anos, conheci um estádio de futebol. Por influência do meu tio — alvirrubro doente, por influência do meu avô — fui ao (Estádio) Eládio de Barros Carvalho, mais conhecido como Estádio dos Aflitos, assistir a um jogo do Náutico. Certamente, não deve ser a mesma emoção de conhecer o Maracanã, mas fiquei bastante emocionada com o tamanho daquele gramado que eu só via pela televisão. O grito da torcida também é bem mais emocionante quando se está lá, gritando com ela. É incrível ver os gols ao vivo e presencialmente, a única desvantagem é não ter direito ao replay.

Acordar de madrugada para ver o Brasil jogar na Copa de 2002 me fez chegar a uma conclusão um tanto contrariada. Assistir a jogos de futebol só vale a pena se o jogo é realmente disputado, partidas que terminam em três a zero não me agradam, prefiro o um a um. O suor dos jogadores para conseguir o empate e tentar ultrapassar toda a "zaga" para chutar no ângulo — sem chances para o goleiro — e virar o placar rende, de fato, um e jogo emocionante. Há um tempo, sempre que televisionavam partidas de futebol, eu perguntava para o meu irmão: Pode ir para os pênaltis? Se pudesse, independente de quais times estivessem jogando, valeria muita a pena ficar acordada até um pouco mais tarde para me emocionar.

Quando eu falo isso para o meu pai, ele me chama de louca e confessa que torce para o Santa Cruz fazer dois gols logo no começo do primeiro tempo para ficar com o coração mais tranqüilo. É, às vezes, eu acho que penso desse jeito porque nenhum time conquistou o meu coração e que, por isso, vivo no egoísmo de querer partidas emocionantes. Depois, contudo, lembro que penso da mesma forma quando a amada seleção canarinho está em campo. Sempre espero a escassez de gols e a marcação intensa do time adversário, mas não esqueço de torcer para que no fim a vitória esteja garantida e seja nossa, claro.

Vale ressaltar que não gosto simplesmente de ver dificuldade de um time para vencer o outro, mas a gana desse time pela vitória. Assim, considero o jogo da final da Copa de 1998 patético, quase um sonífero de tão ruim.

Semana passada paguei por tudo o que eu penso e enfrentei uma partida realmente difícil. Como goleira do RYU na Copa Patrícia Poeta/Copa Paulo Francis, vi meu time à beira da derrota numa partida realmente emocionante. (haja emoção!) O jogo da final, contra as calouras do RUN , foi bastante tenso e me fez sentir um pouco da adrenalina que eu gosto de assistir. O primeiro tempo foi bastante tranqüilo, começamos no melhor lado do campo e eu pude defender com força máxima. Durante o segundo tempo, as coisas não permaneceram tão calmas, levamos dois gols logo nos primeiros minutos. Eu olhava para a minha equipe e não conseguia entender o que estava acontecendo, muito menos aceitar.

Pouco antes do fim do jogo, conseguimos o empate e prolongamos a angústia, é verdade, e também a esperança de levantar o troféu. Meu corpo não agüentava mais, pedia descanso após tantas quedas para alcançar a bola. Além do físico, eu estava psicologicamente abalada, foi muita tensão. Ainda que a torcida gritasse "Gabi paredão!", não me animava, sentia-me responsável pelos gols marcado pelo time adversário, porque toquei na bola, nos dois momentos, mas não consegui finalizar a defesa. Assim, preferi passar o "bastão" e, com ele, a responsabilidade de defender os pênaltis para alguém que se sentia mais segura naquele momento para executar essa tarefa, Júlia Arraes.

Foram três cobranças do RUN e duas do RYU. A surpresa da nova goleira somada à sua estatura mais coerente com a função de defesa assustaram o time adversário. A craque do RUN chutou para fora e depois a sua companheira seguiu o “mau exemplo”. Júlia só precisou fazer uma única defesa e fez com maestria. Nós furamos as redes com a primeira cobrança, nos demos o luxo de não acertar o segundo pênalti e, em virtude do desempenho da outra equipe, não precisamos do terceiro chute. Nossa defesa teve gostinho de gol de placa para nós. Foi uma vitória realmente suada, mas se fosse fácil não seria tão emocionante.

Sei que uma citação no término de um texto deve ser interessante, mas falando de futebol e de emoção, de tanto ouvir ao longo dos anos, só lembro das (bregas) palavras de Galvão Bueno, “Agüenta coração!”.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

“Palavras e penas, o vento as leva”

Desde que vi o filme, Doubt (2008), tive vontade de postar sobre uma cena que me chamou atenção. Na verdade, pouco vou escrever sobre o filme, o que eu quero é transcrever uma cena dele. A cena se passa em um sermão que o padre Flynn (Philip Seymour Hoffman) ministra em sua paróquia, após uma conversa com as irmãs Aloysius Beauvier (Meryl Streep) e James (Amy Adams). Estas últimas, em especial, a irmã Aloysius Beauvier está acusando o padre Flynn de ter cometido o crime de pedofilia contra um dos seus "coroinhas", no entanto, ela possui apenas a convicção, nada de provas, evidências ou testemunhas. A passagem a seguir, nos convida a sermos mais cautelosos com aquilo que falamos a respeito dos outros, pois como diz o título do post, "Palavras e penas, o vento as leva" e depois fica difícil juntá-las.

Agora, segue a transcrição:

"Uma mulher fofocou sobre um homem que não conhecia. Sei que nenhum de vocês faz isto. Certa noite, ela teve um sonho. Uma mão surgiu sobre ela e apontou em sua direção. Ela foi tomada por um sentimento de culpa. No dia seguinte, ela foi se confessar. Procurou um velho padre, o Padre O'Rourke, e ela contou-lhe tudo. "Fofocar é um pecado?”Ela perguntou ao velho padre. Era a Mão de Deus me apontando? Devo pedir seu perdão? Padre, diga-me, fiz algo errado?" Sim. Respondeu-lhe o Padre O'Rourke. Sim, mulher ignorante e mal educada! Criou falso juízo contra seu próximo. “Você foi irresponsável com a reputação dele, e deveria estar realmente envergonhada." A mulher disse estar arrependida e pediu o seu perdão. "Não tão rápido", disse O'Rourke. "Vá para casa, pegue um travesseiro e leve ao telhado, corte com uma faca, e volte aqui!" A mulher foi, pegou o travesseiro, e uma faca na gaveta, subiu ao telhado, e cortou o travesseiro. E então voltou ao velho padre como combinado. "Você cortou o travesseiro com a faca?" Ele perguntou. - Sim, Padre. - E o que aconteceu? As penas voaram, ela disse. As penas voaram? Ele repetiu. Todas as penas, Padre. Agora quero que você volte e junte até a última pena que o vento levou. Bem, ela disse, eu não posso fazer isso. Não sei para onde foram. O vento levou todas. "E isso”, disse o Padre O'Rourke, “é falar da vida alheia!” Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amém".

terça-feira, 9 de junho de 2009

Ilumina-os

Comecinho de noite, a luz apaga-se e todos ficam no escuro. Sempre se encontram na labuta, sem tempo para delongas, e naquele dia, naquela noite escura, trancados numa sala, a ausência de luz obrigou-lhes a conversar. Por vezes tímidos, por vezes ocupados, só falavam tão-somente o estritamente necessário para uma convivência razoável. Então, cessar o silêncio noturno daquela segunda-feira escura, debandou tempo. Minutos que se estenderam por horas, sem ninguém balbuciar uma única palavra. Naquele momento, percebeu-se a falta de qualquer intimidade entre aquelas pessoas que se encontram todo dia no mesmo lugar, no mesmo horário. A rotina atribulada não foi capaz de forçar a troca de segredos, nem mesmo o diálogo sobre coisas triviais do cotidiano. Em meio a todo o estresse do turbilhão de informações diárias, falar sobre uma dor de cabeça, o fim de um relacionamento, uma doença na família, era quase impossível. O tempo passava, a luz não vinha, aquela sala ficava cada vez mais apertada. Cada passo do ponteiro do relógio obrigava aquelas pessoas, que mal se olhavam, conversar, ainda que sem se verem. As expressões do rosto de cada um ficavam escondidas na penumbra dos feixes de luzes dos celulares. Volta e meia alguém tomava para si a responsabilidade de forçar um diálogo que instantaneamente findava-se, pela grande vontade que cada um estava de fugir daquele ambiente. As conversas davam-se num constante cenóide, em que cada silêncio evidenciava a falta de assunto. O tempo demorava a passar como se quisesse provocar aquelas pessoas, como se desejasse obrigá-las a falar, ainda que sobre a demora do conserto do poste, talvez único assunto que tinham em comum. Quando não havia mais palavras, quando se cessaram todos os diálogos, cansados de esperar, enfadados daquela situação quase claustrofóbica, todos, num uníssono, propuseram o retorno de cada um às suas respectivas casas. Deu-se a alforria.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Vai que é tua, RYU

Lembro-me da minha infância, em que eu pensava que poderia ser uma grande craque do futebol. Nas competições da escola, eu costumava ter um desempenho razoável, nunca fui a estrela do time, sempre estive bem longe disso, por sinal. Com o tempo, eu fui afeiçoando-me pela temida função de defesa e como ninguém queria essa responsabilidade e almejava seus quinze minutos de fama como "goleadora", meu espaço como goleira estava sempre garantido. Assim, consegui fugir do banco e angariar a posição de titular.

Os anos passaram e o futebol foi ficando de lado, durante todo o ensino médio, não quis saber de jogar os campeonatos do colégio e sempre fugia das aulas de educação física que envolviam atividades com bola. Futebol para mim só em ocasiões "não-oficiais", em que o caráter amador ficasse explicitamente claro. Fora isso, eu morria de vergonha.

Ano passado, influenciada jornalisticamente, resolvi aventurar-me novamente pelo futebol. Na tradicional Copa Paulo Francis / Copa Patrícia Poeta, formada por times do curso de Jornalismo da UFPE, dei uma grande contribuição ao meu time, RYU (em homenagem ao nosso ídolo do Street Fight), ganhamos o desejado ouro com uma vitória de três a zero sobre o time favorito.

Este ano, aproveitando o fato que todas as jogadoras preferem ficar na linha, assumi para mim a responsabilidade de goleira oficial da equipe, unindo o útil ao agradável, afinal eu realmente prefiro ficar na defesa. Assim tem sido a copa para mim, um momento de superação, em que eu preciso "agigantar-me" diante de uma imensa barra para estar à altura das minhas companheiras de time.

Das três partidas que jogamos — sim, uma copa feminina de verdade! — obtivemos vitória, empate e derrota, um infeliz histórico decrescente ocasionado por eventuais falhas que estamos dispostas a corrigir. E graças ao nosso saldo de gols e ao resultado do jogo de outros times, foi-nos dada uma nova chance, a vaga na final, e pretendemos honrá-la.Amanhã é o dia da grande decisão, independente do resultado do jogo, estou convicta de que terei (sempre) ao meu lado uma grande equipe disposta a suar muito a camisa para erguer o troféu. Espero que este último jogo seja tão limpo quanto foram todos os da Copa Patrícia Poeta e que o respeito impere no gramado, porque rivalidade não significa ofensa, nem briga. Afinal, como minha mãe sempre me ensinou, o importante é competir.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Primeiras páginas

Muitas vezes, a presença rotineira de um cenário faz com que ele passe despercebido para as pessoas que o freqüentam. Assim, é necessário uma data significativa para valorizá-lo: os cem anos de nascimento do paisagista Roberto Burle Marx têm essa função. Com obras mundialmente apreciadas, o artista é pouco conhecido no seu próprio país. Importante devido às suas contribuições ao paisagismo e, principalmente, ao cotidiano das pessoas, através das praças que projetou, Burle Marx criou uma nova concepção de jardim. “Ele desenvolveu a filosofia do jardim moderno que é a de valorizar os atributos nacionais e os materiais regionais da paisagem”, afirma a Coordenadora do Laboratório da Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ana Rita Sá Carneiro.

Burle Marx nasceu em 4 de agosto de 1909 em São Paulo. Filho de alemão e de pernambucana, o artista foi influenciado pelos dois lugares, importantes para a sua carreira paisagística. Ligado a Pernambuco pela mãe, Cecília Burle, ele morou, de 1934 a 1937, na cidade do Recife, onde projetou o seu primeiro jardim público, a Praça de Casa Forte. Com a missão de chefiar o setor de Parques e Jardins do governo do Estado, Burle Marx, aos 25 anos, foi o primeiro paisagista a vir à cidade, trazendo uma forma diferente de ver a paisagem, dissociada dos padrões europeus. O “poeta dos jardins”, como foi apelidado por Tarsila do Amaral, incorporou a vegetação brasileira às suas criações e foi um dos precursores da consciência ecológica, dando palestras sobre o tema ainda na década de 1970. “Ele dizia o tempo todo: o jardim tem que ter uma função ecológica”, completa Ana Rita.

Em sua primeira estadia na capital pernambucana, Burle Marx projetou a Praça de Casa Forte, a Praça Euclides da Cunha (em frente ao Clube Internacional), o Campo das Princesas, a Praça da República e a Praça do Derby. O regresso do paisagista ao Recife se daria em 1957, a convite do então prefeito Pelópidas Silveira. Nessa breve temporada na cidade, ele realizou o projeto de mais duas praças: A Salgado Filho (em frente ao Aeroporto Internacional dos Guararapes - Gilberto Freyre) e a Faria Neves (em frente ao Horto de Dois Irmãos). Outras obras foram projetadas por ele, mas não tiveram construção efetivada ou já foram modificadas, a exemplo da Praça do Arsenal da Marinha, no centro do Recife, cujo projeto realizado por Burle Marx foi alterado em 1970 pela prefeitura.

Como vários artistas, Burle Marx foi vítima da incompreensão de sua obra. Ainda quando projetava a Praça Euclides da Cunha — baseada nos estudos deste escritor sobre o sertão —, o paisagista foi alvo de críticas por alguns intelectuais como o jornalista Mário Melo. Os anos passaram, mas a praça, que tem como tema a caatinga, ainda não conquistou a simpatia de todos moradores das redondezas. A estudante universitária Amanda Mello é uma das pessoas que não aprova a estética diferenciada da praça. “Não é vantagem, numa cidade tão calorenta, fazer uma praça com cactos”, afirma a estudante, alegando que a escassa vegetação do lugar torna a praça quente e inviável para passeios. De acordo com ela, as praças públicas devem prezar pela arborização para tornar o ambiente agradável.

Além de obras paisagísticas, o artista realizou trabalhos em outras áreas, como pintura, tapeçaria e escultura. Burle Marx foi, nos fins da década de 1930, assistente do pintor Candido Portinari e, a partir de 1947, chegou a dar aulas à artista Lygia Clark. Algumas das obras plásticas de Burle Marx encontram-se no Recife e podem ser visitadas no Museu do Estado e no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, o MAMAM.

PRESERVAÇÃO
Com a iminência da data do centenário, a Câmara do Recife realizou, sob a coordenação do vereador Eduardo Marques (PTB), audiência pública no último 12 de maio. Objetivando discutir a atual situação das praças projetadas por Burle Marx e viabilizar a criação de um comitê pró-centenário, o presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara, Luciano Siqueira (PC do B), propôs o debate. Segundo ele, “Seria uma miopia não perceber a relação da obra de Burle Marx com o patrimônio cultural da cidade”.

Na ocasião, Luciano Siqueira falou sobre os compromissos da Câmara com a data de nascimento do paisagista. Entre as iniciativas, está o encaminhamento de um ofício ao governador Eduardo Campos (PSB) para viabilizar a nível estadual o processo de tombamento dos jardins de Burle Marx. Tal processo garantirá que as praças tombadas não sejam destruídas, demolidas ou modificadas. Dos sete jardins projetados pelo paisagista na cidade, nenhum é tombado. Ana Rita afirmou que o Laboratório da Paisagem (UFPE) já dispõe de inventário — estudo minucioso do que compõe os jardins —, necessário para a realização do tombamento, que já foi solicitado desde abril de 2008, a nível nacional e estadual, ao IPHAN e à Fundarpe, respectivamente. A diretora de Preservação Cultural da Fundarpe, Neide Fernandes, afirmou que a proposta entregue à fundação está em processo de análise, que pode demorar até dois anos, mas adiantou que “não há dúvidas” quanto à importância do tombamento.

O vereador falou ainda — em nome do prefeito João da Costa (PT) — que a prefeitura dispõe-se a financiar a impressão de cartilhas educativas sobre o paisagista, propostas pelo Laboratório da Paisagem (UFPE), para a população e a realizar uma semana pró-Burle Marx em comemoração ao centenário. A assessoria da prefeitura, contudo, afirmou na manhã de hoje (1º/06/2009) que a “Semana Burle Marx” ainda não tem programação definida, mas que provavelmente será parte da comemoração da “Semana do Meio Ambiente”, programada para esta semana.

Sobre os investimentos da prefeitura para a preservação das praças, o Secretário Municipal de Serviços Públicos, José Humberto Cavalcante, afirmou que 1,5 milhão de reais foram investidos, em 2008, nas praças de toda a cidade, sendo grande parte da verba destinada à Praça do Derby, por ocasião da obra do Corredor Leste-Oeste. A prefeitura do Recife divide a responsabilidade da manutenção das praças com empresas particulares através do Programa Adote o Verde, no qual as empresas se responsabilizam pela preservação do local em troca de espaço de divulgação publicitária.

Para Ana Rita, o Programa Adote o Verde não soluciona os problemas das praças. “Não resolve, em alguns casos funciona”, completou, citando a Praça de Casa Forte como exemplo da falta de cuidado. A coordenadora do Laboratório da Paisagem (UFPE) e membro do Comitê Internacional de Jardins Históricos e Paisagens Culturais (IFLA) afirmou que a praça apresenta árvores cortadas, lago mal conservado, além de calçada comprometida. O calçamento do lugar foi um dos motivos para Humberto Nicodemos, cirurgião-destista, parar de caminhar na praça. De acordo com ele, para desviar dos buracos, as pessoas são obrigadas a arriscarem-se pelo asfalto.

Adotante da praça de Casa Forte, o Sindicato de Empresas de Transporte (SETRANS) recebeu com estranhamento a informação de queixas sobre os cuidados com o local. Segundo Carina Albuquerque, coordenadora de Projetos Especiais, a SETRANS não recebeu nenhuma reclamação oficial a respeito da má conservação da praça. Ela falou ainda sobre o prêmio Adote o Verde que o sindicato recebeu da prefeitura por dois anos consecutivos (2007 e 2008) pela preservação, sugerindo que falta diálogo entre o governo municipal e as empresas adotantes. De acordo com as atribuições previstas no Programa Adote o Verde, cabe à prefeitura orientar as empresas e fiscalizar a manutenção das praças adotadas. Até o fechamento desta reportagem, a assessoria da prefeitura não se posicionou a respeito dessas ações. ■