segunda-feira, 1 de junho de 2009

Primeiras páginas

Muitas vezes, a presença rotineira de um cenário faz com que ele passe despercebido para as pessoas que o freqüentam. Assim, é necessário uma data significativa para valorizá-lo: os cem anos de nascimento do paisagista Roberto Burle Marx têm essa função. Com obras mundialmente apreciadas, o artista é pouco conhecido no seu próprio país. Importante devido às suas contribuições ao paisagismo e, principalmente, ao cotidiano das pessoas, através das praças que projetou, Burle Marx criou uma nova concepção de jardim. “Ele desenvolveu a filosofia do jardim moderno que é a de valorizar os atributos nacionais e os materiais regionais da paisagem”, afirma a Coordenadora do Laboratório da Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ana Rita Sá Carneiro.

Burle Marx nasceu em 4 de agosto de 1909 em São Paulo. Filho de alemão e de pernambucana, o artista foi influenciado pelos dois lugares, importantes para a sua carreira paisagística. Ligado a Pernambuco pela mãe, Cecília Burle, ele morou, de 1934 a 1937, na cidade do Recife, onde projetou o seu primeiro jardim público, a Praça de Casa Forte. Com a missão de chefiar o setor de Parques e Jardins do governo do Estado, Burle Marx, aos 25 anos, foi o primeiro paisagista a vir à cidade, trazendo uma forma diferente de ver a paisagem, dissociada dos padrões europeus. O “poeta dos jardins”, como foi apelidado por Tarsila do Amaral, incorporou a vegetação brasileira às suas criações e foi um dos precursores da consciência ecológica, dando palestras sobre o tema ainda na década de 1970. “Ele dizia o tempo todo: o jardim tem que ter uma função ecológica”, completa Ana Rita.

Em sua primeira estadia na capital pernambucana, Burle Marx projetou a Praça de Casa Forte, a Praça Euclides da Cunha (em frente ao Clube Internacional), o Campo das Princesas, a Praça da República e a Praça do Derby. O regresso do paisagista ao Recife se daria em 1957, a convite do então prefeito Pelópidas Silveira. Nessa breve temporada na cidade, ele realizou o projeto de mais duas praças: A Salgado Filho (em frente ao Aeroporto Internacional dos Guararapes - Gilberto Freyre) e a Faria Neves (em frente ao Horto de Dois Irmãos). Outras obras foram projetadas por ele, mas não tiveram construção efetivada ou já foram modificadas, a exemplo da Praça do Arsenal da Marinha, no centro do Recife, cujo projeto realizado por Burle Marx foi alterado em 1970 pela prefeitura.

Como vários artistas, Burle Marx foi vítima da incompreensão de sua obra. Ainda quando projetava a Praça Euclides da Cunha — baseada nos estudos deste escritor sobre o sertão —, o paisagista foi alvo de críticas por alguns intelectuais como o jornalista Mário Melo. Os anos passaram, mas a praça, que tem como tema a caatinga, ainda não conquistou a simpatia de todos moradores das redondezas. A estudante universitária Amanda Mello é uma das pessoas que não aprova a estética diferenciada da praça. “Não é vantagem, numa cidade tão calorenta, fazer uma praça com cactos”, afirma a estudante, alegando que a escassa vegetação do lugar torna a praça quente e inviável para passeios. De acordo com ela, as praças públicas devem prezar pela arborização para tornar o ambiente agradável.

Além de obras paisagísticas, o artista realizou trabalhos em outras áreas, como pintura, tapeçaria e escultura. Burle Marx foi, nos fins da década de 1930, assistente do pintor Candido Portinari e, a partir de 1947, chegou a dar aulas à artista Lygia Clark. Algumas das obras plásticas de Burle Marx encontram-se no Recife e podem ser visitadas no Museu do Estado e no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, o MAMAM.

PRESERVAÇÃO
Com a iminência da data do centenário, a Câmara do Recife realizou, sob a coordenação do vereador Eduardo Marques (PTB), audiência pública no último 12 de maio. Objetivando discutir a atual situação das praças projetadas por Burle Marx e viabilizar a criação de um comitê pró-centenário, o presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara, Luciano Siqueira (PC do B), propôs o debate. Segundo ele, “Seria uma miopia não perceber a relação da obra de Burle Marx com o patrimônio cultural da cidade”.

Na ocasião, Luciano Siqueira falou sobre os compromissos da Câmara com a data de nascimento do paisagista. Entre as iniciativas, está o encaminhamento de um ofício ao governador Eduardo Campos (PSB) para viabilizar a nível estadual o processo de tombamento dos jardins de Burle Marx. Tal processo garantirá que as praças tombadas não sejam destruídas, demolidas ou modificadas. Dos sete jardins projetados pelo paisagista na cidade, nenhum é tombado. Ana Rita afirmou que o Laboratório da Paisagem (UFPE) já dispõe de inventário — estudo minucioso do que compõe os jardins —, necessário para a realização do tombamento, que já foi solicitado desde abril de 2008, a nível nacional e estadual, ao IPHAN e à Fundarpe, respectivamente. A diretora de Preservação Cultural da Fundarpe, Neide Fernandes, afirmou que a proposta entregue à fundação está em processo de análise, que pode demorar até dois anos, mas adiantou que “não há dúvidas” quanto à importância do tombamento.

O vereador falou ainda — em nome do prefeito João da Costa (PT) — que a prefeitura dispõe-se a financiar a impressão de cartilhas educativas sobre o paisagista, propostas pelo Laboratório da Paisagem (UFPE), para a população e a realizar uma semana pró-Burle Marx em comemoração ao centenário. A assessoria da prefeitura, contudo, afirmou na manhã de hoje (1º/06/2009) que a “Semana Burle Marx” ainda não tem programação definida, mas que provavelmente será parte da comemoração da “Semana do Meio Ambiente”, programada para esta semana.

Sobre os investimentos da prefeitura para a preservação das praças, o Secretário Municipal de Serviços Públicos, José Humberto Cavalcante, afirmou que 1,5 milhão de reais foram investidos, em 2008, nas praças de toda a cidade, sendo grande parte da verba destinada à Praça do Derby, por ocasião da obra do Corredor Leste-Oeste. A prefeitura do Recife divide a responsabilidade da manutenção das praças com empresas particulares através do Programa Adote o Verde, no qual as empresas se responsabilizam pela preservação do local em troca de espaço de divulgação publicitária.

Para Ana Rita, o Programa Adote o Verde não soluciona os problemas das praças. “Não resolve, em alguns casos funciona”, completou, citando a Praça de Casa Forte como exemplo da falta de cuidado. A coordenadora do Laboratório da Paisagem (UFPE) e membro do Comitê Internacional de Jardins Históricos e Paisagens Culturais (IFLA) afirmou que a praça apresenta árvores cortadas, lago mal conservado, além de calçada comprometida. O calçamento do lugar foi um dos motivos para Humberto Nicodemos, cirurgião-destista, parar de caminhar na praça. De acordo com ele, para desviar dos buracos, as pessoas são obrigadas a arriscarem-se pelo asfalto.

Adotante da praça de Casa Forte, o Sindicato de Empresas de Transporte (SETRANS) recebeu com estranhamento a informação de queixas sobre os cuidados com o local. Segundo Carina Albuquerque, coordenadora de Projetos Especiais, a SETRANS não recebeu nenhuma reclamação oficial a respeito da má conservação da praça. Ela falou ainda sobre o prêmio Adote o Verde que o sindicato recebeu da prefeitura por dois anos consecutivos (2007 e 2008) pela preservação, sugerindo que falta diálogo entre o governo municipal e as empresas adotantes. De acordo com as atribuições previstas no Programa Adote o Verde, cabe à prefeitura orientar as empresas e fiscalizar a manutenção das praças adotadas. Até o fechamento desta reportagem, a assessoria da prefeitura não se posicionou a respeito dessas ações. ■

3 comentários:

Mai Melo disse...

orgulho.

Nessa disse...

NOSSA repórter gabriela bezerra!

Jão disse...

Alto nível.