domingo, 28 de março de 2010

Agradecida e encantada

Pode parecer ignorância, mas, até um dia desses, eu só conhecia o Mário Lago ator. Lembrava dele apenas por meio de suas participações em algumas novelas. E mesmo cantarolando bastante Ai que saudade da Amélia, não imaginava que tal música consistia numa composição sua com o saudoso Ataulfo Alves. Contudo, não faz muito tempo, e eu fui apresentada à faceta poética desse homem. Alguns de seus textos, muitas vezes considerados pedantes, utilizam o requinte para falar sobre coisas simplórias, mas não se pode dizer com isso que ele não sabe traduzir bem os sentimentos. Constatei isso ao ler Devolve, poema pelo qual me apaixonei à primeira olhadela. Como não se encantar com versos que traduzem com exatidão e tom sublime sentimentos tão cáusticos e dores tão latejantes? Não poderia deixar de encantar-me com palavras tão passíveis de serem ditas, com composição tão verossímil. Assim, por ontem ter emocionado-me novamente ao ouvir a recitação de Devolve, resolvi compartilhar um pouco de Mário Lago. Eis o poeta que eu não conhecia e agora faço questão de ler e ouvir.


*Créditos ao romântico que me apresentou ao poeta Mário Lago.

domingo, 21 de março de 2010

AuAU

Como alguns sabem, volta e meia eu gosto de brincar no Paint Brush; às vezes até crio personagens — vide Melancélia. Lino é mais um dos meus desenhos. Criado a partir de uma certa (e bem vaga) inspiração no famoso cãozinho Snoopy, pode-se dizer que Lino é um Beagle típico. Brincalhão, ágil e extremamente dócil, ele é um ótimo companheiro para as crianças e um fiel amigo. Diferentemente de Snoopy, Lino não anda apenas sobre duas patas e prefere dormir dentro da casinha, sendo um cão aparentemente mais "normal". Talvez, por isso mesmo, Charlie Brown preferisse ele ao seu cãozinho lunático. Será?
— Good grief!

sexta-feira, 19 de março de 2010

Viagem qualquer

Estava no ônibus, atravessando a cidade para mais uma correria diária, e avistei uma criatura aparentemente simpática. Ela entrou no ônibus quando este passava por perto do Poço da Panela, um bairro charmoso, onde, volta e meia, eu vou dar um passeio. Esse fato tornou aquela pessoa ainda mais cativante, afinal, qualquer dia podíamos dar uma volta pelas ruas de pedras ou sentar na beira do rio, quiçá as duas coisas. Passei o caminho inteiro em alerta, observando os seus movimentos, percebendo seus detalhes. Com isso, ao ler um papel que a criatura carregava nas mãos, descobri seu nome poético. Olhando um pouco mais para suas mãos, notei que estava diante de alguém que toca violão ou algum instrumento de corda. Posteriormente, pude observar alguns gestos de gentileza realizados por ela que me encantaram bastante. Dessa vez, a viagem foi curta, as ruas pareciam, incrivelmente, descongestionadas, só para me contrariar. Ainda pensei em falar algo, cheguei a ensaiar uma desculpa para puxar papo, mas hesitei e sequer balbuciei um "oi". Assim, o destino da pessoa chegou. Sim, a viagem havia chegado ao fim. Sem que tivêssemos trocado qualquer palavra, a criatura levantou-se e foi embora.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O romântico em mim insiste em trabalhar*

Dia desses, lendo 1968 - O ano que não terminou, do jornalista e escritor Zuenir Ventura, deparei-me com uma curiosa constatação do autor acerca da sociedade daquela época. Logo no início do livro, ao descrever uma badalada festa realizada naquele ano, ele faz uma reflexão, que é, sem dúvida, atemporal, sobre os relacionamentos amorosos. Momento de experimentações, Zuenir acredita que a subversão daquele período foi levada às últimas conseqüências. Nas rodas de conversas, digamos, liberais, a construção da família e até mesmo o ideal de relação estável eram pensamentos bastante combatidos. "Se os exemplares mais estabelecidos da geração tentavam subverter o casamento pela sua destruição, outros, mais novos, começavam a experimentar formas alternativas de relacionamento que não reeditassem os compromissos matrimoniais impostos pela convenção", disse ele na página 30. A ideologia mudava o comportamento das pessoas e a tecnologia dava respaldo a tudo isso, através, por exempo, da popularização da pílula anticoncepcional. Tudo com o objetivo de quebrar tabus. E quebramos.

Imbuídas pelas obras de Simone de Beauvoir, as mulheres tentavam fugir da "servidão" ao marido e de tudo o que pudesse reduzi-las ao título de "segundo sexo", numa revolução sexual que, como se diz, teve início nas prateleiras. Tudo numa tentativa de combater o ideal feminino das décadas anteriores, que estava profundamente ligado ao desejo da maternidade e aos cuidados domésticos. Nessa época, teve-se a banalização do que hoje o Orkut chama de "relacionamento aberto", o estado civil mais coerente a ser seguido, mas que, com freqüência, esbarrava (e ainda esbarra) na questão sentimental. Vendia-se, conforme Zuenir, a teoria de que com a racionalidade se podia driblar a emoção, resumindo tudo ao prazer. E, assim, as pessoas entraram em conflito, com o outro e, principalmente, com elas mesmas. Como aceitar sentir ciúme se as pessoas são livres e os relacionamentos são abertos? Era mais um dos paradoxos tão comuns entre o racional e o emocional, a mente e o coração. Para isentar-se desse pensamento dito retrógrado, nada melhor do que a desculpa cantada por Roberto Carlos nos versos "Se você põe aquele seu vestido lindo e alguém olha pra você, eu digo que já não gosto dele, que você não vê que ele está ficando démodé. Mas é ciúme, ciúme de você."

Hoje, 32 anos depois, Arnaldo Jabor publicou no jornal um texto que me remeteu à leitura do clássico de Zuenir Ventura. Sob o título Acabou o tempo do "happy end", Arnaldo tece alguns comentários a respeito de relacionamentos e até mesmo do amor. Para ele o romantismo saiu de moda. É como se tivesse cedido lugar ao que o escritor polonês Zygmunt Bauman classificou como Amor líquido, Modernidade líquida e todos os outros líquidos que se possa imaginar. "Quando eu era jovens, nos anos 60/70, o amor era um desejo romântico. Depois, nos anos 80/90 foi virando um amor de mercado", escreveu Jabor. Ele acredita que as relações afetivas nem podem mais ser chamadas assim, pois não passam de um "ficar" descompromissado. Num dos parágrafos do seu texto, há uma frase que me chamou atenção e remeteu-me a outro escritor, Júlio Cortázar. Arnaldo comenta que hoje tudo acontece de forma celerada, "[...] sem o lento perder-se dentro de 'olhos de ressaca'." Ao ler isso foi impossível não lembrar do (emocionante e belo) sétimo capítulo — único que eu li — de Jogo da Amarelinha ou, no original, Rayuela.

Confesso que meu romantismo sentiria e sente dificuldade para adaptar-se a quaisquer desses momentos, o 1968 ou o agora. Talvez, para quem acredita em horóscopo, a natureza apaixonada de escorpião explique como seria difícil para mim viver numa sociedade tão liberal quanto a da década de 1960 queria ser. Basta um pouco de convivência para perceber o quanto eu mergulho numa relação, sem saber vivê-la de forma superficial. E, possivelmente pelo mesmo motivo, não sou afeita à rapidez com que as coisas acontecem agora, ainda que, eventualmente, eu caia "no suingue pra me consolar", como diriam Pedro Luís e A Parede. Sempre fica o sentimento de frustração e a pergunta de para onde foram os diálogos inteligentes que precedem e sucedem as brincadeiras de ciclope ("Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de ciclope"). Inclusive, o que foi feito dessas brincadeiras? Acho que sou de uma geração em que se queria viver os sentimentos e em que as relações não eram assim, fugazes. Será que devo gritar "Pare o mundo que eu quero descer"?


*Paródia de trecho da canção O romântico em mim, de A Caravana do Delírio.