quarta-feira, 26 de março de 2008

O Jogo da Amarelinha - Cap. 07

"Toco a sua boca,
com um dedo toco o contorno da sua boca,
vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão,
como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse,
e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar.
Faço nascer,
de cada vez, a boca que desejo,
a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto,
e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca,
que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.
Você me olha,
de perto me olha, cada vez mais de perto,
e então brincamos de cíclope,
olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores,
se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se,
e os cíclopes se olham,
respirando confundidos,
as bocas encontram-se e lutam debilmente,
mordendo-se com os lábios,
apoiando ligeiramente a língua nos dentes,
brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio.
Então,
as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo,
cariciar lentamente a profundidade do seu cabelo,
enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes,
de movimentos vivos, de fragância obscura.
E se nos mordemos, a dor é doce;
e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego,
essa instantânea morte é bela.
E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura,
e eu sinto você tremular contra mim,
como uma lua na água."

Júlio Cortázar

5 comentários:

Son disse...

Eu já tinha lido um fragmento desses... Nossa! Isso é muito empolgante. Não conhecia o Júlio, mas fiquei muito curioso em conhecê-lo.

Beijos

Gabriela Alcântara disse...

Me lembrou os filmes franceses

Dio disse...

Fiquem curiosos mesmo. Cortázar é genial.
Sobre esse texto, é uma aula de descrição. Incrível como ele consegue passar todos os detalhes em "tão pouco espaço, tão pouco tempo".
Dá água na boca mesmo. hhauhasuhas

Abraços,
Diogo.

Mendes disse...

Tenho este livro e será o primeiro a ler após a faculdade acabar.
Inté.

Mendes disse...

Le e reli. Li de novo.