Dia desses, lendo 1968 - O ano que não terminou, do jornalista e escritor Zuenir Ventura, deparei-me com uma curiosa constatação do autor acerca da sociedade daquela época. Logo no início do livro, ao descrever uma badalada festa realizada naquele ano, ele faz uma reflexão, que é, sem dúvida, atemporal, sobre os relacionamentos amorosos. Momento de experimentações, Zuenir acredita que a subversão daquele período foi levada às últimas conseqüências. Nas rodas de conversas, digamos, liberais, a construção da família e até mesmo o ideal de relação estável eram pensamentos bastante combatidos. "Se os exemplares mais estabelecidos da geração tentavam subverter o casamento pela sua destruição, outros, mais novos, começavam a experimentar formas alternativas de relacionamento que não reeditassem os compromissos matrimoniais impostos pela convenção", disse ele na página 30. A ideologia mudava o comportamento das pessoas e a tecnologia dava respaldo a tudo isso, através, por exempo, da popularização da pílula anticoncepcional. Tudo com o objetivo de quebrar tabus. E quebramos.
Imbuídas pelas obras de Simone de Beauvoir, as mulheres tentavam fugir da "servidão" ao marido e de tudo o que pudesse reduzi-las ao título de "segundo sexo", numa revolução sexual que, como se diz, teve início nas prateleiras. Tudo numa tentativa de combater o ideal feminino das décadas anteriores, que estava profundamente ligado ao desejo da maternidade e aos cuidados domésticos. Nessa época, teve-se a banalização do que hoje o Orkut chama de "relacionamento aberto", o estado civil mais coerente a ser seguido, mas que, com freqüência, esbarrava (e ainda esbarra) na questão sentimental. Vendia-se, conforme Zuenir, a teoria de que com a racionalidade se podia driblar a emoção, resumindo tudo ao prazer. E, assim, as pessoas entraram em conflito, com o outro e, principalmente, com elas mesmas. Como aceitar sentir ciúme se as pessoas são livres e os relacionamentos são abertos? Era mais um dos paradoxos tão comuns entre o racional e o emocional, a mente e o coração. Para isentar-se desse pensamento dito retrógrado, nada melhor do que a desculpa cantada por Roberto Carlos nos versos "Se você põe aquele seu vestido lindo e alguém olha pra você, eu digo que já não gosto dele, que você não vê que ele está ficando démodé. Mas é ciúme, ciúme de você."
Hoje, 32 anos depois, Arnaldo Jabor publicou no jornal um texto que me remeteu à leitura do clássico de Zuenir Ventura. Sob o título Acabou o tempo do "happy end", Arnaldo tece alguns comentários a respeito de relacionamentos e até mesmo do amor. Para ele o romantismo saiu de moda. É como se tivesse cedido lugar ao que o escritor polonês Zygmunt Bauman classificou como Amor líquido, Modernidade líquida e todos os outros líquidos que se possa imaginar. "Quando eu era jovens, nos anos 60/70, o amor era um desejo romântico. Depois, nos anos 80/90 foi virando um amor de mercado", escreveu Jabor. Ele acredita que as relações afetivas nem podem mais ser chamadas assim, pois não passam de um "ficar" descompromissado. Num dos parágrafos do seu texto, há uma frase que me chamou atenção e remeteu-me a outro escritor, Júlio Cortázar. Arnaldo comenta que hoje tudo acontece de forma celerada, "[...] sem o lento perder-se dentro de 'olhos de ressaca'." Ao ler isso foi impossível não lembrar do (emocionante e belo) sétimo capítulo — único que eu li — de Jogo da Amarelinha ou, no original, Rayuela.
Confesso que meu romantismo sentiria e sente dificuldade para adaptar-se a quaisquer desses momentos, o 1968 ou o agora. Talvez, para quem acredita em horóscopo, a natureza apaixonada de escorpião explique como seria difícil para mim viver numa sociedade tão liberal quanto a da década de 1960 queria ser. Basta um pouco de convivência para perceber o quanto eu mergulho numa relação, sem saber vivê-la de forma superficial. E, possivelmente pelo mesmo motivo, não sou afeita à rapidez com que as coisas acontecem agora, ainda que, eventualmente, eu caia "no suingue pra me consolar", como diriam Pedro Luís e A Parede. Sempre fica o sentimento de frustração e a pergunta de para onde foram os diálogos inteligentes que precedem e sucedem as brincadeiras de ciclope ("Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de ciclope"). Inclusive, o que foi feito dessas brincadeiras? Acho que sou de uma geração em que se queria viver os sentimentos e em que as relações não eram assim, fugazes. Será que devo gritar "Pare o mundo que eu quero descer"?
*Paródia de trecho da canção O romântico em mim, de A Caravana do Delírio.
Imbuídas pelas obras de Simone de Beauvoir, as mulheres tentavam fugir da "servidão" ao marido e de tudo o que pudesse reduzi-las ao título de "segundo sexo", numa revolução sexual que, como se diz, teve início nas prateleiras. Tudo numa tentativa de combater o ideal feminino das décadas anteriores, que estava profundamente ligado ao desejo da maternidade e aos cuidados domésticos. Nessa época, teve-se a banalização do que hoje o Orkut chama de "relacionamento aberto", o estado civil mais coerente a ser seguido, mas que, com freqüência, esbarrava (e ainda esbarra) na questão sentimental. Vendia-se, conforme Zuenir, a teoria de que com a racionalidade se podia driblar a emoção, resumindo tudo ao prazer. E, assim, as pessoas entraram em conflito, com o outro e, principalmente, com elas mesmas. Como aceitar sentir ciúme se as pessoas são livres e os relacionamentos são abertos? Era mais um dos paradoxos tão comuns entre o racional e o emocional, a mente e o coração. Para isentar-se desse pensamento dito retrógrado, nada melhor do que a desculpa cantada por Roberto Carlos nos versos "Se você põe aquele seu vestido lindo e alguém olha pra você, eu digo que já não gosto dele, que você não vê que ele está ficando démodé. Mas é ciúme, ciúme de você."
Hoje, 32 anos depois, Arnaldo Jabor publicou no jornal um texto que me remeteu à leitura do clássico de Zuenir Ventura. Sob o título Acabou o tempo do "happy end", Arnaldo tece alguns comentários a respeito de relacionamentos e até mesmo do amor. Para ele o romantismo saiu de moda. É como se tivesse cedido lugar ao que o escritor polonês Zygmunt Bauman classificou como Amor líquido, Modernidade líquida e todos os outros líquidos que se possa imaginar. "Quando eu era jovens, nos anos 60/70, o amor era um desejo romântico. Depois, nos anos 80/90 foi virando um amor de mercado", escreveu Jabor. Ele acredita que as relações afetivas nem podem mais ser chamadas assim, pois não passam de um "ficar" descompromissado. Num dos parágrafos do seu texto, há uma frase que me chamou atenção e remeteu-me a outro escritor, Júlio Cortázar. Arnaldo comenta que hoje tudo acontece de forma celerada, "[...] sem o lento perder-se dentro de 'olhos de ressaca'." Ao ler isso foi impossível não lembrar do (emocionante e belo) sétimo capítulo — único que eu li — de Jogo da Amarelinha ou, no original, Rayuela.
Confesso que meu romantismo sentiria e sente dificuldade para adaptar-se a quaisquer desses momentos, o 1968 ou o agora. Talvez, para quem acredita em horóscopo, a natureza apaixonada de escorpião explique como seria difícil para mim viver numa sociedade tão liberal quanto a da década de 1960 queria ser. Basta um pouco de convivência para perceber o quanto eu mergulho numa relação, sem saber vivê-la de forma superficial. E, possivelmente pelo mesmo motivo, não sou afeita à rapidez com que as coisas acontecem agora, ainda que, eventualmente, eu caia "no suingue pra me consolar", como diriam Pedro Luís e A Parede. Sempre fica o sentimento de frustração e a pergunta de para onde foram os diálogos inteligentes que precedem e sucedem as brincadeiras de ciclope ("Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de ciclope"). Inclusive, o que foi feito dessas brincadeiras? Acho que sou de uma geração em que se queria viver os sentimentos e em que as relações não eram assim, fugazes. Será que devo gritar "Pare o mundo que eu quero descer"?
*Paródia de trecho da canção O romântico em mim, de A Caravana do Delírio.
3 comentários:
Sempre essa história de culpar o fugaz, todo mundo sempre tratando a temporalidade como um Deus. Eu não. Acho mesmo é que o problema são as pessoas se dando pela metade, fazendo "mind game" como diria o Caio F. E como é mesmo que falava aquele outro poeta? Põe quanto és no mínimo que fazes. Era assim, né, F. Pessoa? Creio eu.
Que textozinho mais ou menos, esse de Jabor. Normal. "O resto é literatura." - ao menos ele leu Valéry (ou seria Verlaine que disse isso!?). Eu não li. Ou melhor, li pouco. Só quero implicar mesmo. Porque ele é um articulista medíocre, sinceramente. (mas quero ver o filme dele, olhaí!)
Não gosto de quem fala assim do amor contemporâneo, sabe? Entendo que o texto diga algo pr'algum momento específico que você esteja passando. E até entendo essa leitura da humanidade como gasta e desapaixonado. O problema é que eu conheço dezenas de pessoas apaixonadas. E amor de primeira. Daí fica difícil acreditar.
A réplica
Eu era fã do Jabor quando era mais novinha, mas hoje percebo que ele não é de nada (Ê-Ê).
Não quis dizer que hoje o amor é o caos. Apenas parti de uma realidade para tecer a minha, mesmo sabendo que existem outras; assim como há pessoas apaixonadas de verdade e que querem um amor para a vida inteira.
E concordo contigo que parte dessa "teoria da conspiração moderna" é resultado de muita dor de cotovelo.
Abraços,
Gabriela
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