sábado, 29 de agosto de 2009

Há quem sambe muito bem II

Nessa comunidade, os moradores costumavam transformar os quintais de suas casas em pontos de encontro para muita gente que, no intervalo do trabalho ou em período de desemprego, queria esquecer da saudade e lembrar das tradições musicais. Uma dessas casas pertencia à Hilária Batista de Almeida, Tia Ciata. Ela e muitas baianas fizeram da Praça Onze um reduto de sambistas e até hoje são lembradas nos desfiles das escolas de samba com a clássica ala das baianas.

Como disse Pixinguinha, no casarão de Tia Ciata “tocava-se choro na sala e samba no quintal”, isso porque, enquanto o primeiro era tolerado pela polícia, o segundo era tido como coisa de vagabundo. Muitos compositores deram o ar da graça na Rua Visconde de Itaúna e, não à toa, a música Pelo Telefone — considerada a primeira gravação de samba da História — teria sido composta no quintal de Tia Ciata, em 1917, pela dupla Donga e Mauro de Almeida. Atribui-se também a Sinhô — que compôs a canção Jura — a autoria dessa música, mas, apesar de mencionado na letra, ele não consta entre os compositores.

Fala-se que a exclusão de Sinhô da autoria de Pelo Telefone teria motivado seu afastamento do grupo que se reunia na casa de Tia Ciata e que a música Quem São Eles (“Não precisa pedir / Que eu vou dar / Dinheiro não tenho / Mas vou roubar”), composta em 1918, seria uma resposta a Donga.

Na primeira versão, proibida e não gravada, Pelo telefone mencionava a ordem, via telefone, de Aurelino Leal, chefe da polícia do Rio de Janeiro, para que os delegados acabassem com a jogatina nos clubes da cidade. A versão que se popularizou e foi registrada em 1917, contudo, é diferente. Nos primeiros versos ela satirizava o fato de que a polícia não fazia nada para dar fim à roleta.

Ainda hoje há não só polêmicas quanto ao fato de ser ou não Pelo Telefone o primeiro samba composto, mas também relativas à autoria da música. Naquela época, não havia preocupação autoral e, muitas vezes, a criação era coletiva e ficava anônima. O registro de Donga foi, por isso, contestado pelo grupo de sambistas que freqüentavam a casa de Tia Ciata, pois consideravam a criação de caráter coletivo, já que se tratava de um partido-alto, sub-gênero do samba em que todos improvisam os versos. Com o registro da canção na Biblioteca Nacional, Donga figurou-se como autor da primeira gravação radiofônica realizada no Brasil. Desse modo, como disse o antropólogo Ruben George Oliven, o samba surge sob o signo do dinheiro (o jogo da roleta), da tecnologia (o rádio) e do mercado (a questão da autoria).

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