quarta-feira, 25 de março de 2009

Mudanças

Vocês já tiveram a impressão que estão mudados? Quem não pensou que em quatro anos sua vida/jeito de pensar deu uma reviravolta? Bom, sem dúvida as estrofes a seguir são mais profundas do que os meus comentários, mas me fez mais uma vez pensar sobre mudanças. Uma coisa eu digo, viver estaticamente, em inércia é fácil, o problema é a mudança de hábitos. Ahh, o poema é o seguinte:

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?

Cecília Meireles

10 comentários:

Girabela disse...

O que é isso, Rodrigo?
Queres me deixar depressiva, é?

Abraços melancólicos,
Gabriela.

Mai Melo disse...

Esse poema sempre mexeu muito comigo. Acho uma das maneiras mais intensas de abordar a velhice. Entretanto, correndo o risco de desvirtualizar Cecília, arrisco-me a enxerga-lo como se ele tratasse de um casulo. Mais do que mudança, falasse de desvirilização, de passar de um estado gente pra um estado coisa oca. E aí uno a esse poema de Meireles um trechinho de J.G.Rosa: "Se não fosse a borboleta, a lagarta teria razão?" Existe um porquê pra essa condição de não preenchimento que não a própria coisa de transição entre uma fase e outra?
Taí, Gabi, o porquê de estar afastada do seu blog. Sou reservada demais pra expor como hoje as minhas divagações.
Beijos, meu bem.
:*

Girabela disse...

Aproveitando a deixa de Mai, que inserindo um outro autor, que aborda (?) a mesma temática, valorizou o debate, cito aqui Arnaldo Antunes. Diferentemente de Cecília Meireles, que mesmo sem compreender as "mudanças", parece resignar-se, Antunes, em "Não vou me adaptar", subverte e não se dispõe a aceitá-las.

"Eu não caibo mais
Nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais
A casa de alegria
Os anos se passaram
Enquanto eu dormia
E quem eu queria bem
Me esquecia..."
(Continuação em http://letras.terra.com.br/titas/48986/)

Abraços,
Gabriela.

Mai Melo disse...

Acho que não, Gabi. Acho que, na verdade, os dois partilham uma mesma sensação de estranhamento. Cecília com a indagação final sobre o espelho em que perdeu sua face e Antunes com a exclamação de não se adaptar. Não enxergo em nenhum dos dois resignação ou rebaldia. Pelo contrário, acho que souberam muito bem deixar uma brecha pra gente tirar nossas conclusões. Mas me explica por que tu pensa assim! : )

Mai Melo disse...

*rebeldia


(tou escrevendo de maneira muito displicente, meu velho)

Girabela disse...

Bem, quando Meireles fala que a mudança é "tão simples, tão certa, tão fácil" e apenas se questiona
em que espelho ficou perdida a face dela, eu interpreto como um momento de resignação. Assim - como falei anteriormente - ela não compreende como se sucede essa mudança, mas a aceita como "certa". Antunes, ao meu ver, compreende menos ainda, acho que por não falar da transição adulto-idoso, mas da criança-adulto. E, como o título da canção diz (Não vou me adaptar), ele não está disposto a adaptar-se, parece viver o ápice da rebeldia juvenil.

Abraços,
Gabriela.

Mai Melo disse...

Nossa senhora! É claro, Gabi. Cometi a bobagem de não levar em conta a faixa etária. É óbvia a ambiguidade na frase "eu não vou me adaptar". Sou uma cabecinha de bagre. Tão cabecinha de bagre que, apesar de ver muito fundamento na sua interpretação do poema de Cecília, não consigo me desvencilhar da impressão que a última frase causa em mim, e, dessa maneira, não posso admitir a resignação. No meu modo de pensar, o estranhamento é, por si só, uma dificuldade de aceitação.

Girabela disse...

Arte é uma coisa incrível, permite uma, duas e infinitas interpretações. Entendo perfeitamente a sua e agora não tenho mais certeza da minha, mas uma coisa é certa: Meireles não explicita tanto a sua revolta quanto Antunes. E isso não quer, necessariamente, dizer que ela é menos revoltada que ele, é apenas uma constatação.
Gostei da história de "cabeça de bagre", me fez lembrar que há tempos eu quero descobrir como é essa tal cabeça. Descobri!

Abraços,
Gabriela.

Santiago. disse...

Que bom que "mudanças" é um tema que também intriga as senhoritas. É bom dizer que antes de ler esse poema, eu o "vi"/conheci através de uma bela interpretação da Geninha da Rosa Borges, simplesmente inesquecível!

Abraço.

Girabela disse...

Claro que interessa, quem não se sente uma "metamorfose ambulante"?!

Abraços,
Gabriela.