segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Sobre maracatus e carnavais

Quando eu era criança, minha família (meus avôs, minha mãe e meu irmão) costumava fugir do barulho das troças do carnaval recifense indo para a Zona da Mata do Estado, aproveitando a ocasião para visitar minha tia-avó. A viagem não me agradava muito, mas não adiantava reclamar.

Minha tia-avó, que também era minha madrinha, chamava-se Antônia, carinhosamente chamada de tia Nita, morava em Carpina, cidade natal da família da minha avó materna. A casa, que era bem grande e bem antiga, lembrava as casas descritas em romances do século XIX. Naquela época, as cidades interioranas seguiam o padrão "tudo acontece ao redor da pracinha", ainda que estivessem saindo dessa fase para uma mais comercial.

Tradicionalmente comum na Zona da Mata, o Maracatu de Baque Solto, também conhecido como Maracatu Rural, garantia a alegria de Carpina durante o feriado carnavalesco. Eu, entretanto, não me alegrava muito com ele. Os caboclos de lança - talvez pela iminência do duelo, ainda que fictício - davam-me medo. Meu avô, serelepe que só ele, ficava chamando os caboclos para perto de mim, obrigando-me a correr para os braços da minha mãe.

As tardes em Carpina eram bem pacatas. Os mais velhos, sentados em cadeiras de balanço, conversavam embaixo das árvores, enquanto eu e meu irmão, por não estarmos muito adaptados ao clima do interior, ficávamos escutando atentamente tais conversas. Eles falavam sobre, além de reminiscências, o "endiabramento" carnavalesco. Assim, cresci achando, graças aos meus progenitores, que carnaval era coisa do cão.

Nessa mesma época, o carnaval de Recife era um pouco diferente de como é hoje, ao menos é assim que o percebo. As troças, em geral, tocavam ritmos baianos, pois o axé estava na moda. Foi o auge da Banda Pingüim, com a música A vida inteira te amar, de André Rio tocando O bicho vai pegar, e de blocos como o Parceria, famoso por trazer bandas como "É o tchan" para a praia de Boa Viagem. Realidade transformada (ainda bem!) a partir dos governos de João Paulo e Luciana Santos, que instituiram a valorização das raízes pernambucanas no carnaval das cidades de Recife e Olinda, respectivamente.

O Maracatu de Baque Virado - diferentemente do Maracatu Rural, que é oriundo da cultura de Pernambuco - nasceu da tradição africana do Rei do Congo, que foi trazida para o Brasil através da colonização portuguesa. Caracterizado por um forte batuque, que energiza multidões durante o cortejo, o som deste maracatu pode, sem erro, ser verificado aos domingos nas ruas do Recife Antigo, sem hora nem lugar exato, sendo sempre uma surpresa boa encontrá-lo.

O meu primeiro contato com o Maracatu de Baque Virado, também chamado de Maracatu Nação, foi quando eu cursava a quinta série ginasial, durante os ensaios para a abertura dos jogos. O tema que o meu grupo (o vermelho) ficou responsável para retratar no evento esportivo foi A cultura pernambucana. Sinceramente, não lembro dos temas dos demais grupos (verde - eterno rival, azul e amarelo), mas me recordo bem dos ensaios e, principalmente, da apresentação final do grupo vermelho, que além de vários outros ritmos pernambucanos, mostrou um Rei Momo de dar inveja.

Durante alguns anos, enquanto eu migrava da minha infância para a adolescência, só pude curtir as festividades carnavalescas pela televisão, que, naquela época, dava total primazia ao carnaval carioca, mostrando as apresentações das escolas de samba à noite e reprisando-as à tarde. Ao completar meus quinze anos, consegui maior liberdade, podendo freqüentar o carnaval do Recife Antigo com amigos. Se na televisão já era emocionante, estar no Marco Zero, pulando ao som de Alceu Valença era algo impagável; cruzar com o batuque do maracatu nas ruas velhas do Recife também. E assim foi o meu carnaval até a minha fase "vestibulesca" (que durou muito) chegar e impedir tamanha folia.

Agora, livre do estresse do vestibular e com saudade do meu Recife em época carnavalesca, pretendo voltar às ruas, no próximo ano, para frevar. E enquanto o carnaval não chega (?), vou matando a saudade, ouvindo frevos-canção e pensando numa fantasia.


*Créditos às amigas Suzy e Mayra Luna, que me acompanharam aos carnavais no Recife Antigo.

2 comentários:

Dio disse...

Eu nunca me permiti gostar do Carnaval. Aliás, durante muito tempo de minha vida, nunca me permiti gostar de muitas coisas que fazem um bem danado. Quando pequeno, não podia "me permitir" ou "me proibir" nada. Aí, em época de Carnaval, ia parar na Av. Boa Viagem (surpreso ao lembrar que lá essa coisa toda acontecia antigamente) para ver os famosos blocos dos quais não recordo o nome e, principalmente, o bloco do Palhaço Chocolate. Eu ia, certo, mas com um mal gosto daqueles. Decerto que houve belos Carnavais, fui ao de Porto de Galinhas, fantasiado de Yasser Arafat, e foi belíssimo. Os de Olinda, na Sé, eram um divertimento só, mas na maioria das vezes ficava nessa de seguir bloquinhos na Avenida. Depois, o mundo punk chegou, fui na onda e pronto, por anos e mais anos, nada de Carnaval, só um Arsenal aqui e ali com a família, sentado na mesa, de longe, sem nem sequer querer experimentar. Ou isso, ou os desfiles das escolas do Rio, esses eu não gostava, mas também não perdia um só, digo, tentava não perder, porque sempre acabava dormindo. Mas foi assim, nada ativo, todo passivo. Eis que ♪♪o tempo passa, o tempo voa♪♪, entro na faculdade e começo a pensar no tanto de anos que perdi da minha vida nessa historinha de morgação revoltosa. Ano retrasado (2007), fui ao Antigo por minha conta e risco, para aproveitar o Carnaval. Fui e não gostei. Mas calma, era Cordel do Fogo Encantado que tocava, e eu não gosto da banda. Então pensei: "Esse ano, vou e vou em tudo, e vou gostar." E pronto. Mais nada. Com amigos impagáveis, shows de "lascar o cano", foi o melhor e o único Carnaval que fui e vivi porque quis ir e viver. Próximo ano, pretendo voltar às ladeiras da Sé, mas que seja só no sábado pela manhã, pelo amor de Deus, porque já vi como é nos outros dias, e não, pra mim não dá.

Abraços,
Diogo.

Anônimo disse...

Quando minha mãe me permitiu a liberdade de curtir os prazeres da carne , descobri o quanto o carnaval de pernambuco é belo!Coloqueia rasteirinha e um enfeite na cabeça e fui... Foram tantos shows impagáveis(lenine , alceu valença,nação zumbi )... E nas ladeiras de olinda os bonecos gigantes e depois como prêmio subir no alto da sé e sentir o mesmo que Rocky balboa(kkkk)e achar que agente sempre pode mais! ^^

Mas acho mesmo que esse gosto fervoroso vem da infância , da escolinha de frevo e das madrugadas com meu pai nas ladeiras de olinda quando no fim eu acabava dormindo no seu fusquinha branco e ainda tem quando era pré-adolescente e ia para as ladeiras com aquelas pistolinhas de água !!! ahh tempo bom... mas sei que esse ano de 2009 promete!!! estarei lá em olinda , no antigo e aonde mais tiver para viver o nosso carnaval!

Abraços ,
Lorraine