sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A autocontemplação bakhtiniana no espelho


Li algo bem interessante nesta manhã de sexta-feira enquanto estudava um pouco para a prova de Português 4: o conceito de autor e autoria, de Bakhtin. A comparação que o filósofo-lingüista fez entre a autobiografia e a autocontemplação no espelho chamou a minha atenção pela reflexão interdisciplinar, coloco abaixo o trecho:

"O ato de autocontemplação no espelho motiva reflexão semelhante em Bakhtin. Pode parecer, numa abordagem superficial desse fenômeno, que estamos, de fato, nos vendo diretamente como os outros nos vêem. No entanto, diz Bakhtin, vemos no espelho uma face que nunca temos efetivamente na vida vivida: vemos apenas um reflexo do nosso exterior e não a nós mesmos em termos de nosso exterior, porque estamos em frente ao espelho e não no seu interior.
O que fazemos, então, quando em frente ao espelho, à falta dessa efetiva possibilidade (de nos vermos a nós mesmos inteiramente abarcados pelo nosso exterior) é nos projetarmos num possível outro peculiarmente indeterminado, com a ajuda de quem tentamos encontrar em uma posição axiológica em relação a nós mesmos. Nesse sentido, nunca estamos sozinhos frente ao espelho: um segundo participante está sempre implicado no evento da autocontemplação.
[...] É ingênuo pensar, diz ele, que no ato de olhar-se no espelho há uma fusão, uma coincidência do extrínseco com o intrínseco. O que ocorre, de fato, é que, quando me olho no espelho, em meus olhos olham olhos alheios; quando me olho no espelho não vejo o mundo com meus próprios olhos e desde o meu interior; vejo a mim mesmo com os olhos do mundo - estou possuído pelo outro.
Essas reflexões todas têm, como pano de fundo, o pressuposto bakhtiniano forte do primado da alteridade, no sentido de que tenho de passar pela consciência do outro para me constituir (ou, num vocabulário mais hegeliano, o eu-para-mim-mesmo se constrói a partir do eu-para-os-outros)."IT, Beth (org.) et al. Bakhtin: Conceitos-chave. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2005. p. 43.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Nota sobre o Vaticano - II

"O filósofo Antonio Gramsci (foto ao lado), fundador do Partido Comunista italiano, encontrou a fé antes de sua morte em 1937, afirmou nesta terça-feira um prelado do Vaticano, dando um caráter oficial a velhos rumores que circulam na Itália onde Gramsci goza de um grande prestígio intelectual e moral."
A influência de Gramsci ultrapassou as fronteiras da Itália e da Europa dos anos 30. Até hoje, é citado nos meios acadêmicos e por ativistas políticos que não precisam ser comunistas necessariamente. Suas reflexões são sobre o papel dos intelectuais e de suas idéias na mobilização social e política; versam também sobre a hegemonia cultural como um meio de manipulação do Estado capitalista; e foi responsável por ampliar o conceito marxista de Estado, incluindo aspectos da cultura nas análises.
Preso pelo regime de Mussolini, quando solto, estava extremamente debilitado. Fundador do PC italiano e ateu (isso é quase uma redundância), soube-se hoje, que antes de morrer recebeu os sacramentos da Igreja Católica Romana, e morreu segurando uma foto de Santa Teresa e do Menino Jesus.
Obs.: Também vi uma matéria sobre isso no Jornal da Globo, e lá eles acabam a matéria da seguinte maneira. Falam sobre o binômio sempre seguido por Gramsci (IDÉIA & AÇÃO), ou seja, sua correção em suas atitudes. Com essa história de um ateu, no fim da vida ter abraçado a igreja, o jornal nos diz: "Se Gramsci redescobriu a fé católica, para o que não há confirmação em documentos, não seria uma contradição. A força das idéias da Igreja durou mais que a do comunismo." Desnecessário este comentário final.

sábado, 22 de novembro de 2008

Nota sobre o Vaticano

O Vaticano deu seu perdão a John Lennon, e ainda comemorou os 40 anos do álbum branco dos Beatles. Tudo isso por conta da frase do Lennon, onde afirmava que os Beatles eram mais famosos do que Jesus Cristo (o vídeo da entrevista onde Lennon diz isso está disponível no youtube). Essa frase, que para mim, tinha outro sentido, gerou esse cisma que só foi relevado agora. Segundo o ‘Osservatore Romano’, o órgão oficial do Vaticano - o porta-voz do Papa, a frase "Foi um arroubo de um jovem da classe trabalhadora inglesa que conquistou um sucesso inesperado". Por fim, o Vaticano ainda reconheceu que a dupla Lennon-McCartney continua sendo uma fonte de inspiração até hoje.

Ainda bem que não estamos mais na época da inquisição, por que caso contrário, primeiro matariam o Lennon, para depois reconhecer o valor dele.

O Mito dos Iguais

A vontade de escrever sobre esse tema surgiu ontem (20-11) enquanto assistia o Jornal da Globo. Nestas reportagens das quais falarei a seguir, fica clara a intenção da Globo de fazer valer a sua opinião enviesada sobre o tema das cotas em universidades públicas. Devo reconhecer, que quem edita esse jornal merece um prêmio pela sua engenhosidade. Aqui, fica bem claro o caráter naturalizador e sutil pelas quais ideologias são propagadas. Bom, vamos ao que interessa.

De maneira bem esquemática e partindo do Stuart Hall (2003), vou tentar falar sobre a criação do Mito de Barthes (1987). O intuito não é fazer uma análise das reportagens preso a esses autores, minha intenção é a de oferecer algumas idéias/conceitos, para que o próprio leitor tire suas conclusões.

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Inicialmente, para a construção ideológica, é preciso um aparato pautado nas relações sociais, neste caso específico, quem comporta as relações sociais, e gera a ideologia é o fazer jornalístico (meio de comunicação de massa). No entanto, para a divulgação ideológica, o discurso se faz necessário. Assim, é preciso que haja um meio (linguagem e imagens) composto por significados e mensagens sob a forma de signos. Se o sentido ideológico é apreendido, não ocorre o consumo. Ou seja, se você consegue decodificar o mito, ele não consegue ser naturalizado e passar novamente para o nível das relações sociais. A intenção é embutir várias idéias, sem que haja um processo reflexivo, visto que tal processo pode levar os indivíduos a criar outras maneiras de interpretar o mesmo fato.

O Mito dessa forma é um discurso que pretende ser objetivo e imparcial. Ou seja, é aquele que diz ser apenas composto por termos no sentido denotativo. São aqueles que dizem falar apenas como as coisas são, e não como deveriam ser. Assim se cria o Mito barthesiano, visto que todo discurso está encharcado não só por termos denotativos, mas principalmente, por certas visões de mundo, sentidos conotativos.

A seguir, mostro dois vídeos. Os dois têm como temática central a educação no Brasil. No entanto, o primeiro que nos foi apresentado tratava do tema da lei de cotas. E o segundo, mostrado na seqüência do primeiro, fala sobre o resultado do ENEM. Vejamos como a globo age.
No primeiro vídeo é tratado o tema da nova lei sobre cotas em universidades públicas. Aqui, a reportagem é estritamente técnica, mostrando como se dará o processo de inclusão de estudantes pobres, negros, índios ou pardos. Posteriormente, para a reportagem ser isenta de julgamentos de valor, o repórter mostra a opinião de vários deputados que são contra ou a favor do sistema de cotas. Até então, o debate é apenas denotativo, estamos na fase da codificação dos signos. Contudo, na reportagem que segue a essa primeira, o repórter trata do resultado do ENEM. É nessa reportagem que todo véu da imparcialidade é rompido. E é nesse momento que se tenta construir e vender o MITO. O mito/tese em questão é que estudantes do ensino público possuem condições de concorrer de igual para igual com os alunos do ensino particular. Logo, as cotas em universidades públicas são desnecessárias no atual estado da educação brasileira. Assim, o rapaz que estudou em escola pública representa a veracidade da tese da globo. Ora, o rapaz estudou em escola pública, e foi o primeiro colocado no ENEM, o que mostra que estudando ao ponto de “fazer bolhas nos dedos”, todos (alunos da escola pública e privada) têm as mesmas chances no sistema de competição. Ou seja, o problema não é do sistema educacional, mas sim, dos próprios estudantes. Perceba como há uma permuta em relação à responsabilização pelo fracasso dos estudantes no vestibular. Obs.: não que os alunos não tenham responsabilidades, mas como é bem sabido, o problema transcende ao aluno, ele está na forma como se pensa a educação pública neste país.

Espero que agora vocês vejam os vídeos, tirem suas próprias conclusões, e nós posteriormente, podemos discutir via comentários.

Como não consegui baixar os vídeos, eles podem ser acessados nos links que mostro a seguir:
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Referências Bibliográficas
1) Hall, Stuart. (2003). Da Diáspora - Identidades e mediações culturais. - Organização Liv Sovik. Editora UFMG, Belo Horizonte, e Representação da UNESCO no Brasil, Brasília.
2) Barthes, Roland. (1987). Mitologias, 7ª edição.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Êxtase

I, I, I, I still believe in your eyes;
There is no choice,
I belong to your life.

Eu ainda acredito em seus olhos;
Não há escolha,
Eu pertenço a sua vida.
[Trecho de I'll fly with you, de Gigi D'Agostino]


[Foto de Henri Cartier-Bresson]

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Despedida

Você quer, ocê vá, cê nunca volte.
[Adaptação de trecho de Terceira Margem do Rio, de João Guimarães Rosa]

[Desenho de Banksy]

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Aos artistas

"Vocês, artistas [...],
Devem representar o que é
mas também insinuar o que poderia ser e não é
E seria bom que fosse ao representarem o que é.
Que a partir do seu retrato
a platéia aprenda a lidar com o que ali é retratado.
Que o aprendizado dê prazer.
[...] Ensinem como arte, pois praticar a arte dá prazer."

[BRECHT, Bertold. Sobre o Julgamento]

sábado, 1 de novembro de 2008

Conhecimento Jornalístico e a obrigatoriedade do diploma

A partir de um breve panorama histórico da prática jornalística e vislumbrando uma nova abordagem do Jornalismo enquanto forma de conhecimento, defendo a concepção jornalística dissociada da visão do senso comum, mas imbricada a um respaldo teórico, dando visibilidade à discussão da obrigatoriedade ou não do diploma na profissão.

Antes das Revoluções Burguesa e Industrial, o conhecimento que se tinha do mundo era bastante genérico e universal, baseado na realidade imediata, exemplificada por Eduardo Meditsch1 pela preocupação com a própria casa e com os vizinhos. O Jornalismo surge no contexto do desenvolvimento industrial e do capitalismo, sendo, inclusive, atribuído como conseqüência do modo de produção capitalista, em que as relações passaram a ter caráter universal e dinâmico, permitindo o conhecimento da humanidade a nível internacional.

Assim, diferentemente do que ocorria na Idade Média, o mundo não mais é baseado em relações singulares, como as com o vizinho. A partir da Revolução Industrial, as relações no mundo passam a exigir um caráter universal, em que todos podem, efetivamente, relacionar-se com todos. É diante de tal necessidade que o Jornalismo surge como forma de conhecimento capaz de possibilitar a interação do indivíduo com o mundo. Para Adelmo2, “o Jornalismo é uma forma de conhecimento baseado no singular, surgido a partir da Revolução Burguesa e que atingiu a maturidade com a industrialização.”

Sylvia Moretzsohn3, em Pensando Contra os Fatos, traz a importante lembrança de que, mesmo sendo considerado um pilar da democracia pela Constituição americana, o Jornalismo era, naquela época, alvo de contestações por parte da elite intelectual, por considerarem-no superficial e efêmero, rejeição que perduraria até o século XIX.

Sobre o Jornalismo como produção de conhecimento, Adelmo Genro Filho refuta as orientações funcionalistas de conhecimento de — atrelado ao uso familiar e ao hábito, sem corresponder à produção sistematizada — e conhecimento acerca de — produto formal e criterioso de conhecimento, formulado teoricamente —, baseadas na filosofia de William James4 e proferidas por Robert E. Park5, por considerá-las reducionistas.

Discordando das diversas concepções teóricas existentes sobre o Jornalismo — desde as que consideram-no puramente comunicacional às que o vêem como meio de integração dos indivíduos à sociedade —, Adelmo propõe, através da filosofia hegeliana, a construção de um novo conceito de Jornalismo, distante do modo de pensamento positivista e próximo do marxismo, elucidando uma teoria marxista de Jornalismo.

Diferentemente do senso comum, o Jornalismo não deve ser considerado tão-somente uma atividade prática; pois, embasa-se teoricamente em estudos antigos que discutem o seu papel enquanto forma de conhecimento. E é através de um ensino superior alçado nesse propósito que o Jornalismo deixará, então, de ser visto como uma necessidade técnica e passará a ser reconhecido como teoria, partindo de conhecimento coeso e não de “achismos” redacionais.

Além proporcionar condição mais coerente de trabalho para os profissionais da área, pautando-se em um reconhecimento digno de qualquer ciência, o Jornalismo necessariamente vinculado ao ensino superior garante à sociedade uma prática jornalística mais responsável, que partirá da cotidianidade, será fundamentada na academia e retornará enriquecida à cotidianidade, desenvolvendo, assim, importância de ciência.


Notas:

[1] Professor-doutor em Ciências da Comunicação que tem se dedicado a estudos sobre a teoria do conhecimento em Jornalismo, autor de O Conhecimento do Jornalismo.

[2] Adelmo Genro Filho foi professor e mestre da UFSC, responsável por trabalho de referência na teoria do Jornalismo, posteriormente publicado na forma de livro, sob o título O Segredo da Pirâmide - Para uma teoria marxista do jornalismo.

[3] Especialista em modernas tendências da mídia e professora da UFF

[4] Psicólogo e filósofo norte-americano.

[5] Sociólogo norte-americano e um dos fundadores da Escola de Chicago que exerceu durante muito tempo a atividade jornalística.


Referências Bibliográficas:

GENRO FILHO, Adelmo. O Segredo da Pirâmide: por uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Tchè, 1987. p. 54-68.

MEDITSCHI. Eduardo. O Conhecimento do Jornalismo. Florianópolis: Editora da UFSC, 1992. p. 23-34.

MORETZSHOHN, Sylvia. Pensando Contra os Fatos. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p. 52-53; 122-130.