sexta-feira, 26 de outubro de 2007

NOSSO DILEMA DO PRISIONEIRO

Periodicamente os brasileiros afirmam que vivemos numa democracia. Por democracia entendem a existência de eleições, de partidos políticos e da visão republicana dos três poderes, além da liberdade de pensamento e de expressão. Por autoritarismo, entendem um regime de governo em que o Estado é ocupado através de um golpe (em geral militar ou com apoio militar), não há eleições nem partidos políticos, o poder executivo domina o legislativo e o judiciário, há censura do pensamento e da expressão e prisão (por vezes com tortura e morte) dos inimigos políticos. Em suma, democracia e autoritarismo são vistos como algo que se realiza na esfera do Estado e este é identificado com o modo de governo.
Essa visão é inútil para algo profundo na sociedade brasileira: o autoritarismo social. Nossa sociedade é autoritária porque é hierárquica, pois divide as pessoas, em qualquer circunstância, em inferiores e superiores. Não há percepção nem prática da igualdade como um direito. Nossa sociedade também é autoritária porque é violenta: nela vigoram racismo, machismo, discriminação religiosa e de classe social, desigualdades econômicas das maiores do mundo, exclusões culturais e políticas. Não há percepção nem prática do direito à liberdade.
O autoritarismo social e as desigualdades econômicas fazem com que a sociedade brasileira esteja polarizada entre as carências das camadas populares e os interesses das classes abastadas e dominantes, sem conseguir ultrapassar carências e interesses e alcançar a esfera dos direitos. Os interesses, porque não se transformam em direitos, tornam-se privilégios de alguns. A polarização social se efetua entre os despossuídos e os privilegiados. Estes, porque são portadores dos conhecimentos técnicos e científicos, são os “competentes”, cabendo-lhes a direção da sociedade.
Assim, essas idéias ultrapassam uma esfera abstrata da nossa imaginação, e acaba desembocando nos nossos dias, de forma ativa e permanente. Não é difícil de perceber esta concepção. Enquanto, os cidadãos brasileiros não forem tratados como tal, ou seja, como INDIVÍDUOS, e que, portanto possuem direitos e deveres a cumprir, a sociedade permanecerá estagnada.
Nessa discussão então, surge aquela velha idéia, idéia que me lembra o pensamento dos marxistas mais “hard”. Pensamento diria linear, que imagina ser impossível um desenvolvimento, sem que antes a sociedade tenha passado por todas as etapas anteriores. Por exemplo, para se implantar o Socialismo, seria preciso passar pelo Feudalismo e Capitalismo, e claro, seus respectivos meios e forças de produção. Mas isso tudo foi apenas para lembrar, será que para a implantação da tríade de direitos (civis, políticos e sociais) é preciso um processo? Ou tais direitos podem ser amplamente e imensamente difundidos na sociedade sem nenhum tipo de problema?
È nesse ponto que aparece o nosso dilema do prisioneiro. Suponhamos que dois comparsas tenham sido presos. No entanto, leia-se quando for colocado comparsas, ou sinônimos, implantação, ou não, dos direitos citados anteriormente.
Tais personagens foram presos, mas os policiais não o podem condená-los por falta de provas. Mas com astúcia, os policiais separam os prisioneiros, e faz a seguinte proposta. Se por acaso, um dos dois depor, e o outro em silêncio ficar, o que depôs será liberto, enquanto que o “preso fiel” será condenado a cumprir uma prisão de 10 anos. Caso ambos fiquem em silêncio, a justiça só poderá ficar em posse deles por um período máximo de 6 meses. No entanto, se ambos se verem tentados a delatar o comparsa, os dois ficam por 2 anos na cadeia.
Agora percebam, tudo isto está acontecendo sem que os presos saibam quais são as atitudes do outro. Como se diz, eles estão jogando no escuro, e logo, o máximo que fazem são suposições sobre a atitude possivelmente tomada pelo outro. Então, o dilema ao qual ambos estão submetidos é, o que vai acontecer? Como cada prisioneiro irá se comportar diante da tentação de culpar o outro?
Assim, esse jogo poderá ser cooperativo, produzindo um resultado não ótimo. Ou então, o jogo poderá ser não-cooperativo, e ai há duas possibilidades. 1) Se um dos dois contar e o outro não, o outro será submetido a uma prisão de 10 anos. E esse seria o melhor resultado a ser alcançado, pensando-se individualmente. 2) Se ambos se acusarem os dois serão presos, produzindo um resultado menos ótimo, já que ambos ficaram presos por um período de 2 anos.
Toda essa história foi apenas para informar que realmente já está na hora de começarmos a tratar as pessoas como indivíduos. E que não importa se haverá implantações pausadas de direitos, o que importa é que eles comecem a ser implantados. Por isso, em abstrato, não importa os valores das penas, mas o cálculo das vantagens de uma decisão cujas conseqüências estão atreladas às decisões de outros agentes, onde a confiança e traição fazem parte da estratégia em jogo.
Enfim, enquanto não houver no Brasil, uma construção concreta, combinada de: liberdade, participação e justiça social, fatos como os quais convivemos diariamente continuarão a perseguir a nossa sociedade. Temos “liberdade”, alguma participação e muita desigualdade. A liberdade e a participação, para sobreviverem, precisam gerar igualdade. E esta igualdade seria então traduzida em: respeito à Constituição e aos Direitos Humanos, investimentos maciços em setores do bem-estar social (educação, lazer, saúde...) e uma visão de segurança pública institucionalizada que permaneça ao longo dos governos como política de Estado, e não como política de governo.

5 comentários:

Girabela disse...

"Temos 'liberdade', alguma participação e muita desigualdade."
Triste verdade. Nossa sociedade está com valores deturpados e talvez até tenha conscîência disso; prefere, porém, permanecer inerte e deixar tudo como está. É a velha história: A classe rica totalmente alheia às questões sociais, a classe média sempre acomodada (até ser afetada) e a classe menos favorecida sem voz política. Assim, continuamos nesse lamaçal de desigualdades, alguma participação e uma falaciosa idéia de liberdade e sempre achando que está tudo bem. Muitos ainda naquela idéia de que Deus fará tudo melhorar.
É isso, e pra começar precisamos, como o caro amigo disso, de uma visão "com política de Estado, e não com política de governo."
Muito bom o texto.

Unknown disse...

O que temos é participação desconscientizada e liberdade apenas até onde nos deixam ser livres. O país como um todo sofre de um sedentarismo político, sofrimento esse que atinge todas as classes e produzindo de formas diferentes uma mesma coisa: desigualdade. Obviamente essa desigualdade traz consigo outras mazelas da sociedade brasileira. A solução para isso acredito que segue o caminho trilhado em seu texto, ainda sim é um caminho cheio de pedras e que exige também mudanças culturais substantivas. Enfim, é um bom texto.

Altiere Freitas disse...

muito bom o txt rodrigo... parece que quando mais temtamos analisar nossos problemas, mais entramos em um labirinto... angústia, impotência e utopia se misturam...

:)
by

asadebaratatorta disse...

Não entendi por que se ambos se preservassem e não fossem delatores o resultado seria não-ótimo. Assim ambos ficariam menos tempo na prisão, exceto pela possibilidade de apenas um ser condenado, ou seja, que um seja egoísta e outro não. Sobre essa possibilidade, a de um pegar 10 anos e o outro nada, será que isso pode ser enquadrado como escolha racional? Ao que me parece, ambos os indivíduos citados na história confrontam com pelo menos dois tipos de medo: a) medo de ir para a cadeia e b) medo de ser delatado pelo companheiro. De fato, não há confiança, ou é nisso que o Estado dos indivíduos acredita colocando os dois nessa situação.

O Brasil realmente carrega vários problemas como o demonstrado brilhantemente no seu texto, Rodrigo. A desigualdade social, a hierarquia, o "você sabe com quem está falando?" são situações latentes dessa polarização. Porém, não vejo como a solução um Estado dos indivíduos, ou uma sociedade dos indivíduos. Basta entrar numa fila de banco para abrir uma conta e nós percebemos que já vivemos num Estado assim. Mesmo as políticas úblicas são destinadas aos indivíduos unicamente: isolados. Fora de interação social. Isso não se calcula; o outro é esquecido. Nisso, os que relamente precisam de amparo pela sociedade são renegados e humilhados com bolsas "fica na tua e longe de mim, otário". Como sabemos, esses indivíduos, tratados como tais, viram votos. Votos contados. E os indivíduos ricos neste país é que ficam com a boa vontade e o sorriso de todos, afinal, parece-me que todos aqui querem ser ricos em detrimento dos seus próprios sonhos( ou esse é o grande sonho). Essa desigualdade é tão mais profunda que a solução do Estado dos indivíduos aplicado não se aplica. Este apenas reforça desigualdades e reafirma-as. Ele não resolve concentração de renda, desigualdade social, sistema de educação. Também não tenho nenhuma solução pra esses problemas. Talvez educação, mas já escrevi bastante aqui. =P
^^

Anônimo disse...

É minha querida, dizem que pelo fato de nossa demcracia ser jovem estamos assim capegando. Ainda hj vemos correntes disputando que tem razão para nossos problemas: uma corrente diz que nosso problema é social(ricos versus pobres), outros defendem que é luta de classes(patrões versus empregrados) e por fim há aqueles que pregam que é racial(brancos versus negros). A esta última me filio, resolvamos esta última, as demais vêm a reboque.

bbjjss