domingo, 28 de fevereiro de 2010

Pra dizer adeus

Seguindo a máxima que diz "jornalista desinformado é o futuro", somente hoje eu soube de algo que vinha rolando desde o Carnaval: Titãs perdeu mais um integrante. Após a despedida de Arnaldo Antunes, a perda de Marcelo Frommer e o adeus de Nando Reis, respectivamente, foi a vez do baterista Charles Gavin anunciar a sua saída da banda. Agora restam apenas quatro dos oito integrantes do antigo Titãs do iê-iê. Sem contar os dois outros músicos que também fizeram parte da banda no comecinho dos anos 80, Ciro Pessoa e André Jung. Vale ressaltar que Charles não integrou a primeiríssima formação dos Titãs, ingressando na banda em 1984, após a retirada do pernambucano André Jung, também baterista. Antes de tornar-se titânico, Charles dividiu palco com a rapaziada do RPM e Ira!.

Quando descobri a existência da banda, ela já se encontrava desfalcada de Arnaldo. Meu primeiro contato com os Titãs deu-se em meados de 1999, por meio do vinil Cabeça de Dinossauro, do meu tio mais novo. Lembro-me bem de que eu, meu irmão e meus primos gritávamos e pulávamos ao som de Homem Primata, mesmo sem entender o que diabos era o tal "capitalismo selvagem". Anos mais tarde, quando os titânicos já não tinham mais a língua ferina de outrora e só compunham baladinhas, eu comecei a entender o sentido daquilo tudo. Pena que tão tarde. Ainda assim, curti bastante o som dos Titãs e ficava impressionada ao ver tanta gente no palco; uma formação de banda bem diferente da que eu estava acostumada a ver.

Hoje, mesmo sem acompanhar o trabalho dos Titãs há muito tempo, saber da saída de Charles Gavin mexeu comigo. Essa despedida significa mais um momento de desintegração de uma banda que eu admiro e que foi personagem importante da história do rock nacional da década de 1980. Os admiradores do grupo, sem dúvida, ficaram tristes e cobraram de Charles o cumprimento da sua repetida afirmação de que tocaria na banda até morrer. Nesse caso, como lembrou um dos fãs, parecem oportunos os versos "Não confio em ninguém com mais de 30. Não confio em ninguém com 32 dentes."

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Quanta leseira

Marcando o início do Carnaval, ainda na quinta-feira (11), a tão esperada prévia anárquica do Quanta Ladeira encheu os jornais do dia seguinte com uma pá de comentários negativos. Todos discorrendo sobre o (suposto) fracasso da festa. A maioria apontava a ausência de Lenine como causa para o fiasco, como se o cara por si só representasse o bloco. Sem contar que esse argumento é, no mínimo, incoerente. Como ignorar a criatividade de toda aquela galera que estava no palco divertindo a multidão? Também houve muitas críticas referentes à falta de estrutura do evento. De fato, teve-se que levar a sério a famosa sátira à canção de Alceu, "Morena, tome cana, cerveja acabou!", isso para não adentrar na questão logística da coisa. Problemas à parte, impossível não se contaminar com a criatividade e a língua ferina daquela turma ridicularizando geral. Só sendo o que se convencionou chamar de "galerinha Carvalheira", aqueles miguxos que foram para a prévia pela fuzarca e pela briga por ingressos, mas sequer entendiam as paródias e, não raro, se horrorizavam com o conteúdo "impróprio" das letras. Mas eles não foram os únicos a reclamar da festa, até os assíduos falaram mal. Criticavam a quantidade de gente e a popularização (natural) do bloco, num coro estranho de "Ai que saudade do Quanta Ladeira", como se a popularização fosse, em si, algo negativo. Um sentimento típico do mundinho alternativo que tem tesão por gostar do que pouca gente conhece e não suporta ver seu objeto de desejo ser admirado pelo povão. Contudo, contrariando as especulações infundadas e num clima meio "Queiram ou não queiram os juízes...", domingo (14), no bloco, Lula Queiroga adiantou: ano que vem tem mais.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O Ready-made musical de Israel

O álbum mais revolucionário de 2009 é resultado de uma miscelânea de vídeos do YouTube criativamente sobrepostos em forma de música.


Conhecido profissionalmente como Kutiman, Ophir Kutiel — músico, compositor e produtor musical israelense de Jerusalém — é o responsável pelo primeiro álbum lançado no YouTube e produzido com mescla de diversos vídeos dessa rede social. A idéia era compor uma espécie de “som colaborativo”. Assim, inspirado, principalmente, pelas batidas do funk, esse músico dedicou-se a vasculhar uploads amadores armazenados na internet para compor o seu maior sucesso: ThruYOU. O resultado desse projeto ousado é um álbum virtual composto por sete faixas dignas de provocar inveja a “bandas tradicionais”; sem dúvida, um dos grandes lançamentos de 2009.

Kutiman teve seu primeiro contato com a música durante a infância, quando, aos seis anos de idade, aprendeu a tocar piano, e desde então se mostrou um grande apreciador dessa arte. Posteriormente, ele passou a estudar mais dois instrumentos — bateria e guitarra — e, aos 18 anos, não hesitou em mudar de cidade para freqüentar aulas de jazz no Rimon Music College, renomada escola israelense de música contemporânea. Ainda na adolescência, ele foi apresentado — pelo amigo e parceiro musical, Sabbo — ao ritmo do “pai do soul”, James Brown, e ao multi-instrumentista nigeriano Fela Kuti, em quem se inspirou para compor o seu nome artístico.

O músico israelense já viajou bastante pelo mundo na busca por novos sons, como o reggae na Jamaica, e, atualmente, com 27 anos, ele tem cinco álbuns acumulados na carreira; todos lançados nos moldes tradicionais e a maioria pelo selo alemão Melting Pop Music (MPM). O penúltimo trabalho de Kutiman, um álbum homônimo, contou com a colaboração musical de muitos artistas israelenses, como Hadag Nahash, grupo de funk famoso por suas letras de cunho político. Tal álbum teve uma repercussão positiva em Israel, mas Kutiman tornou-se, de fato, reconhecido após a criação do seu projeto musical de vídeo online no YouTube.

Lançado em março do ano passado, ThruYOU é composto por sete faixas de puro mashup — produto novo formado a partir do conteúdo de outras aplicações da web —, quase um ready-made nos moldes de Marcel Duchamp. O próprio nome do álbum remonta a uma produção conjunta, já que, traduzido para a língua portuguesa, significa “através de vocês”. Visualmente, o trabalho deixa a desejar, afinal consiste em pedaços de vídeo-aulas de instrumentos musicais e clipes amadores de músicos. Kutiman não fez qualquer intervenção na aparência dos vídeos, apenas uma “colagem”, talvez porque propôs um álbum de música e não um áudio-visual. A beleza estética de ThruYOU está justamente na musicalidade, trabalhada de forma intensa durante dois meses de clausura em que Kutiman só via o próprio computador.

A idéia do álbum surgiu quando o produtor israelense assistiu, no YouTube, a vídeo-aulas do baterista estadunidense Bernard Purdie e passou a acompanhá-lo com a sua guitarra. A partir de então, Kutiman, ao buscar vídeos de outros instrumentos para fazer mais sobreposições, descobriu que podia misturar tudo e formar novos sons. Meses antes, ainda em 2008, no Brasil, o cantor Marcelo Camelo — da banda, em stand-by, Los Hermanos — produziu algo bem semelhante, a Orquestra YouTube, mas com qualidade bastante inferior, por ser praticamente inaudível. Assim, não se pode dizer que criação de Kutiman é, realmente, original; antes dele, outras pessoas já “tocaram internet”. A virtude de ThruYOU está no resultado, que fisgou mais de um milhão de internautas em menos de uma semana.

Os gêneros das canções são variados, remontando ora à levada dos clássicos jazz e blues, ora ao ritmo dos mais modernos hip hop e música eletrônica, resgatando também o funk e o soul. A primeira faixa do álbum — Mother of all funk chords — traz um pouco da cadência de tudo isso, sendo difícil não lembrar de James Brown. Na música seguinte — This is what it became — ficam notórias as influências do reggae e dos DJs e MCs, estes, inclusive, figuram em vários dos vídeos que compõem ThruYOU. Pode-se destacar também Babylon band, quarta faixa do álbum, que, certamente, agrada a legião de fãs da eletro music. No decorrer de ThruYOU, a melodia das músicas assume um caráter mais calmo e intimista, destoando um pouco da primeira metade das faixas do álbum. Enquanto as canções iniciais apresentam um tom mais estridente, inclusive com sons de sirene, a segunda parte do trabalho distancia-se da tendência funk, como Just a Lady, música que encerra o álbum.

Kutiman não se vê como pesquisador musical e admite conhecer pouco sobre mashup. Ele garante que o processo de criação de ThruYOU foi bastante ingênuo e concebido a partir de uma brincadeira. Assim, trata-se de um álbum não-comercial, sem qualquer intenção de repercutir — muito menos mundialmente —, tanto que foi divulgado somente para vinte amigos. Em entrevistas mundo afora, o israelense diz que produziu ThruYOU por amor e apoio aos músicos envolvidos nos vídeos utilizados, por ele, na mistureba áudio-visual e que não almeja ganhar nenhum dinheiro com o projeto. Há uma faixa extra no fim do álbum, intitulada About, em que o próprio Kutiman agradece a todos que colaboraram — ainda que sem saber — com a sua produção e explica um pouco em que ela consiste.

SÍNTESE DA CENA MUSICAL – Mesmo surgido a partir de uma brincadeira, é impossível não ver em ThruYOU uma oportunidade para discutir o momento atual da indústria fonográfica. Composto por cenas aleatórias, devidamente identificadas pelos perfis do YouTube, o álbum traz — sem pedir licença — cem vídeos sobrepostos. Kutiman, ainda que sem perceber, lançou um álbum capaz de suscitar extensos debates acerca de criação coletiva, compartilhamento de arquivos, propriedade intelectual e, até, conceito de arte. Uma vez que não pediu autorização a nenhum dos músicos que registraram os temas originais para criação do seu álbum, Kutiman — além de ter desapontado as pessoas que rejeitam o ideal mashup por considerarem-no pouco criativo — demonstrou seguir a bandeira Copyleft de livre reprodução para fins não-comerciais.

Mesmo com a revolução protagonizada pelo artista francês Marcel Duchamp, no pós-Primeira Guerra, com o conceito de Ready-made, a inserção de elementos cotidianos — a priori sem valor artístico — no campo da arte ainda tem sido bastante rejeitada. E talvez por isso, muitos internautas desprezem centenas de milhares de videoclipes do YouTube por acreditarem que só os pertencentes aos artistas das grandes gravadoras merecem ser vistos. Esse, sem dúvida, é o maior mérito de Kutiman: sua paciência para quebrar esse dogma contemporâneo — vasculhando um sem número de vídeos caseiros e plasticamente discutíveis — e comprovar que há som interessante para além daqueles consagrados.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Close your eyes...

Ontem, tudo parecia culminar em mais um domingo daqueles em que você fica em casa comendo pipoca e tentando manter-se quietinho a fim de não comprometer a semana de labuta que está quase começando. Certamente, eu teria mantido esse movimento inercial e me empanturrado de colesterol não fosse a insistência de uma grande amiga para assistir ao show de uma banda cover dos queridinhos de Liverpool. A apresentação representava uma homenagem tardia aos 40 anos de lançamento do álbum Abbey Road (26 de setembro de 1969) e seria realizada aqui bem pertinho de casa. As companhias eram agradáveis e não havia grandes motivos para me recusar a ir, exceto o fato de que ficaria entre dois casais enquanto a banda tocaria canções como Here comes the sun e tantas outras. Aceitei o convite porque seria uma oportunidade para escutar as tão queridas músicas que foram excluídas do meu computador na última formatação inesperada e qual não foi a minha gratidão aos meus amigos ao ouvir a primeira música do show?! De fato, o Abbey Road não é o meu álbum preferido dos (The) Beatles talvez por influência de outro amigo, Rodrigo , mas, ao tocar Come Together, a banda (super) me surpreendeu. O garoto (sim, um garoto com não mais de 21 anos) cantou essa música de uma forma apaixonante que, realmente, me transportou para a Inglaterra de 1969. Naquele momento, eu poderia ter ido embora e o show (além dos 20 reais gastos) teria valido a pena. Foi um domingo ótimo e o mais legal de tudo foi que após tocar todas as faixas do Abbey Road, uma por uma, na ordem do disco, rolou uma sessão de músicas aleatórias da banda, de Lucy in the Sky with Diamonds a All my Loving. Senti uma certa saudade de quem ficou pelo caminho, mas ao chegar em casa, só pude fechar os olhos para dormir, nada mais.


*Créditos a Suzy e Daniel, que me levaram para a Inglaterra de 1969.