Lendo sobre a coreógrafa alemã Pina Bausch, que faleceu na semana passada, fui parar em Mali, no norte da África, e conheci Malick Sidibé. Ele é um dos mais conceituados fotógrafos africanos, ganhador de prêmios importantes e recentes da fotografia mundial, como o Leão de Ouro da Biennale di Venezia, em 2007, e o prêmio máximo do Photoespaña do ano passado. Ao contrário do que se pode estar pensando, os artistas não possuem nenhuma relação direta; a referência ao fotógrafo, no texto sobre a Pina Bausch, remontava ao movimento que as obras de ambos apresentam.
Oriundo de um continente financeiramente pobre e de cultura riquíssima, Malick não retratou as mazelas do seu país; ao contrário, inspirou-se na alegria do seu povo. Tal característica rendeu a ele, no Brasil, a alcunha de “antípoda de Sebastião Salgado”, pois segundo o fotógrafo malinês, “fotografia é juventude e alegria”. Não pretendo tecer comentários acerca das particularidades das obras de cada um deles, nem mesmo fazer deste texto uma apologia contrária ao estilo de fotografar do brasileiro, que também me comove, de outra maneira, claro.
Mali é um dos países mais pobres da África, com o terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo e cuja expectativa de vida não chega aos cinqüenta anos. Como muitos do seu país, que possui taxa de analfabetismo superior a setenta por cento (!), Malick não freqüentou a escola, mas passou as décadas de 1960 e 1970 dedicando-se a um estúdio fotográfico com o seu nome (Studio Malick). Talvez, por tudo isso, ele tenha dedicado-se a retratar os sorrisos malineses, como forma de evadir-se da miséria que assolava o seu povo e de contemplar a beleza daquelas pessoas.
Com câmeras, certamente, rústicas, Malick fotografou o cotidiano da cidade de Bamako, capital de Mali, retratando muito da moda do seu povo. Sem utilizar-se dos ensinamentos bressonianos, afinal trata-se de um retratista de estúdio, ele conseguia deixar seus modelos muito à vontade, a ponto de suas expressões transmitirem que era exatamente daquele jeito que eles queriam estar. As fotos de Malick transformam o colorido africano em preto e branco, algo que eu não conseguia conceber antes de conhecer seus retratos. O colorido da África é algo que realmente me encanta (!), mas o fotógrafo não pôde ou não quis retratá-lo e, ainda assim, suas fotos não me pedem cor e mostram-se exatamente como deviam ser.
2 comentários:
É engraçado que quando estamos falando de África, falamos como se o continente fosse uma unidade, seja territorial, seja étnica. Entretanto, sabemos que não é assim, mas continuamos com esse vício.
Outro fotógrafo que marcou com suas fotos que também pretendiam retratar o cotidiano da população foi Pierre Verger. Há fotos sensacionais, também em preto e branco.
Com relação à África, outra coisa também é "engraçada". Pensar África, é imaginar um cenário de cores, animais exóticos, safaris. Propositalmente, o Malick Sidibé leva seus apreciadores ao estranhamento com suas fotografias em preto e branco, fazendo-nos refletir sobre o imaginário que temos do continente.
Abraço.
É engraçado mesmo. Lembro que ao assistir a Olhar Estrangeiro ri e, por vezes, senti raiva do estereótipo que criam do nosso país e agora estou, de certa forma (infelizmente) e inconscientemente, contribuindo para a perduração de outro senso comum. Isso me remonta ao pensamento que tive hoje cedo. Esperando o ônibus, vi, com estranhamento, uma mulher dirigindo uma moto (cena comum, atualmente) e levando uma amiga de carona (cena que eu ainda não tinha visto). Ora, é incoerente uma mulher que se acha defensora dos direitos femininos sentir estranhamento ao ver tal cena. Enfim, somos filhos de uma sociedade extremamente patriarcal e isso deve explicar alguma coisa.
Abraços,
Gabriela.
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