domingo, 7 de setembro de 2008

Ensinamentos de Cartier-Bresson

Algumas vezes, a gente tem a impressão de que tirou a fotografia mais forte e, contudo, continua a fotografar, sem poder prever com certeza como o evento continuará a desenvolver-se. Será preciso evitar metralhar, fotografar rápido e maquinalmente, sobrecarregar-se assim de esboços inúteis, que entulharão a memória e perturbarão a nitidez do conjunto.

A memória é muito importante, memória de cada foto feita ao galope, na mesma velocidade que o evento; é preciso ter certeza, durante o trabalho, de que não se deixou buraco, que tudo se exprimiu, pois depois será tarde demais, não será possível retornar o acontecimento às avessas.

CARTIER-BRESSON, Henri. O Imaginário Segundo a Natureza. 1. ed. São Paulo: Editorial Gustavo Gili, SA, 2004. p. 18.

Lendo tal trecho, consigo entender o quanto a leitura de A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen influenciou o entendimento de Henri Cartier-Bresson acerca da fotografia, serviu como um verdadeiro manual, conforme ele mesmo afirmou.

Na sutileza de suas frases, percebo ainda uma prévia crítica ao que viria a ser, anos depois, a fotografia digital, quando a banalidade das fotos perpassou a observação do objeto focado, aumentando a produção fotográfica em detrimento da acuidade do olhar, essência da arte fotográfica.

É evidente que tal versão do fato seria bastante semelhante à opinião um tanto radical, e certamente refutada pelo próprio fotógrafo, de Baudelaire, ao afirmar não ser a fotografia uma expressão artística.

Creio, no entanto, que tal discussão é bastante relevante para a sociedade digital em pleno desenvolvimento, além de resgatar um pouco do debate de Walter Benjamin, na questão da aura, em A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica.

4 comentários:

Peterson Uchoa Mayrinck disse...

Eu não concordo inteiramente com essa idéia de que a fotografia digital banalizou o olhar, "aumentando a produção fotográfica em detrimento da acuidade do olhar". Acho que é um pouco generalista demais.
O problema maior não é a fotografia digital, mas sim a atitude de "atirar sem pensar" que muitos têm.
A fotografia digital - que até pode ser de menor qualidade "química", não sei - permite uma maior velocidade de acesso ao material produzido (inclusive no livro "A Câmara Clara", de Roland Barthes, há um momento em que ele diz que não se adequava muito à fotografia pois esta não produzia resultados imediatos).

Ainda há um certo preconceito com o novo, não tenho dúvida. Da mesma maneira que Baudelaire condenava a fotografia (analógica na época), muita gente condena a digital.

Enfim, me diz se isso não é suficientemente bom:
http://www.flickr.com/photos/23805250@N08/2275393562/

Já não havia acuidade do olhar na maioria das pessoas antes do surgimento da digital (basta ver álbuns de família). A diferença é que agora você pode apagar e não vai gastar filme "à toa".

É isso.
:P

Girabela disse...

Concordo com você, Peterson, quando fala que a "vilã" não é a câmera digital, mas sim quem a utiliza, da mesma forma que muitas pessoas tiravam fotos ruins, ainda que usassem uma câmera analógica. Afinal, a acuidade não está na câmera, mas sim no olhar de quem faz a foto.
Não é que a fotografia digital banalizou o olhar, mas a facilidade de tirar várias fotos ao mesmo tempo e com a possibilidade de selecionar as que ficaram melhores faz com que as pessoas não se preocupem tanto com ângulo, luz, detalhes...

No mais, essa foto das estrelas é uma foto mesmo? Nossa, que impressionante!

Leilane Cruz disse...

meninaaa! te achei (uou!). tais tãããão acadêmica! os meus são wordpress =PPPP (lentedeaumento / eutenho1blog)
beijes.

Dio disse...

Bem, não tenho nada a acrescentar não. Mas deixo meu registro de que concordo com a galere: o recurso digital não banaliza nada. E acredito que, pelo contrário, potencializa. A busca dos fotógrafos sempre foi pela velocidade, quando ela é alcançada em seu máximo, ficaram mordidinhos. Sério, pra mim essa coisa de "digital banaliza" é pura frescurite aguda.

Abraços,
Diogo.