quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O Jayminho de hoje


Quem acompanhou a minissérie Maysa, pôde perceber o quanto o filho da cantora sofreu. Perdeu o pai, quando ainda tinha oito anos, e teve que conviver com a ausência da mãe, que optou por uma vida "transgressora", como o próprio Jayme Monjardim, hoje, classifica a escolha de Maysa.
Em resposta à pertinente frase de André Matarazzo à Maysa - que se julgava uma boa mãe - na qual ele disse que quando o garoto crescesse iria julgar a boa mãe que ela foi ou deixou de ser, a Veja desta semana trouxe Jayme Monjardim para dizer o que pensa sobre a mãe e mulher Maysa.
Nas páginas amarelas (Entrevista) de Veja, o outrora Jayminho, esquecido entre um show e outro, responde quais as suas impressões sobre tudo o que viveu ao lado e na ausência dessa mulher tão polêmica que foi Maysa. Alguns trechos da entrevista foram selecionados por mim e podem ser lidos abaixo.
Depois da morte de seu pai, sua mãe o deixou num internato na Espanha. O senhor ficou lá dos 7 aos 17 anos. Qual foi o peso dessa experiência? Em quase dez anos, minha mãe nunca me visitou e me mandou apenas duas cartas. Nas vezes em que saí do colégio para encontrá-la, fui incorporado à equipe que a acompanhava em seus shows. Fiquei noites intermináveis sentado em banquinhos, esperando o fim de uma apresentação. Ou então trancado num quarto de hotel. Lembro de dizerem: "Fechem a porta para o Jayminho não fugir". Foi um período terrível, de muita angústia.

Sua mãe chegou a lhe explicar a razão de um afastamento tão prolongado? No fim da vida de minha mãe, toquei nesse assunto. Ela não soube responder. Disse que já não lembrava o motivo de me deixar na Espanha, longe da família e do Brasil. Ela mesma, quando criança, foi para um colégio interno – mas por apenas dois anos. Gosto de pensar que entre as motivações, fossem quais fossem, houve algumas positivas. Minha mãe queria que eu tivesse uma cultura europeia para, quem sabe, assumir a administração dos negócios deixados por meu pai. Suponho que também quis, de alguma forma, me preservar de seus próprios problemas – com álcool, por exemplo.

O senhor chegou a odiar sua mãe? Ódio é uma palavra forte demais. Houve um período na infância em que o sentimento dominante foi de rejeição. Eu me perguntava cotidianamente o que havia feito de errado para ser esquecido tão longe, num colégio interno em outro país. Depois veio a revolta. A gota d’água se deu em 1970, quando voltei ao Brasil – e ela não foi me buscar no aeroporto. Fui para a casa dela e tivemos uma briga homérica. Tempos depois, fui morar em São Paulo com os meus tios. Nosso afastamento parecia irremediável. Mas então, cerca de dois anos antes de sua morte, fui visitá-la em sua casa em Maricá, no litoral do Rio de Janeiro, e criamos um novo laço.

[...]

Há um momento da infância que o senhor relembre com carinho? A melhor lembrança que tenho é de quando ela cantava para mim. Eu estava ali, sentado na coxia de um teatro, e de repente minha mãe saía do palco e cantava A Noite do Meu Bem olhando para mim. Ela me encarava de tal maneira que eu ficava numa confusão de sentimentos. Muito emocionado – a tal ponto que, às vezes, chegava a sentir medo.

É verdade que sua iniciação sexual ocorreu com a ajuda de sua mãe? A escola em que estudei era extremamente rigorosa. Era simpática ao ditador espanhol Franco e os professores nos batiam por qualquer motivo. Nesse ambiente repressor, era difícil até olhar para uma mulher. Para dar uma ideia da situação, nós íamos à loucura ao ver os joelhos das meninas que arrumavam nossos quartos e limpavam nossos sapatos antes da hora de dormir. Então, aos 13 anos, eu fiz uma das minhas visitas ao Brasil. Numa conversa, minha mãe me perguntou se eu já tinha tido alguma espécie de contato com uma mulher. Eu disse que não. Ela então me disse: "Tenho uma amiga que quer te levar para passear, conhecer os lugares bonitos do Rio". Saí com essa mulher e aconteceu. Não foi uma relação profissional. E também não foi uma atitude constrangedora por parte de minha mãe. Foi uma das boas coisas que ela fez por mim.

Sua mãe foi uma transgressora? Sim. E essa foi uma das características de sua história que me motivaram a fazer a minissérie. Maysa foi transgressora porque ousou viver com prazer e sofreu profundamente. Muitas pessoas sonham em ser como ela, mas lhes falta coragem para isso. Minha mãe falava o que pensava, nunca teve meias palavras e foi intensa em todos os sentidos. Isso é raro. Todo mundo se esconde atrás de uma máscara. Maysa, não. Nunca teve vergonha de assumir o que era e sabia que despertava nas pessoas à sua volta uma sensação de preocupação e medo.

Qual a importância musical de Maysa? Ela representou a transição do período das cantoras do rádio para a bossa nova. Começou como uma mulher que, ousadamente, despejava seus sentimentos na canção. Quando a bossa surgiu, aderiu ao novo gênero. O disco Barquinho, de 1961, foi um dos primeiros lançamentos de uma grande cantora a trazer compositores de bossa nova. Ela também foi a primeira artista a levar a bossa nova para os palcos internacionais. No exterior, era acompanhada pelo Tamba Trio. O escândalo é que os artistas de bossa nova mal tocam no nome da minha mãe. Somente o Roberto Menescal lhe dá o devido valor. A maioria se refere a ela como "a cantora que namorou o Ronaldo Bôscoli". Ninguém diz que Barquinho teve uma repercussão maior do que a de qualquer outro disco de bossa nova lançado naquele momento, muito menos que foi ela quem levou João Gilberto para cantar na televisão pela primeira vez. Minha mãe foi injustiçada.
*A Entrevista na íntegra pode ser lida no site da Veja.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dio disse...

É engraçado como ele fala da transgressão. E como ele fala dessa coisa de máscaras. "Maysa falava o que sentia" "Maysa fazia o que queria" "Maysa não era mascarada". Mas, Maysa era uma artista. Máscara é tudo o que ela tinha. Qualquer artista (para não dizer 'pessoa') precisa de uma máscara. Pra mim, era tão "mascarada" quanto qualquer outra pessoa. Viver da forma que ela viveu é uma opção, não uma virtude. Muito menos uma virtude.

Abraços,
Diogo