sexta-feira, 27 de junho de 2008

O caráter cênico IV.

Esses dias, eu comecei a pensar na possibilidade de incluir a arte cênica na minha vida, diante disso, fui em busca de pensamentos que convergissem com o meu. O propósito do "tcheco-brasileiro" Yan Michalski agradou-me bastante.

“No precário campo da bibliografia teatral brasileira, tal registro [o livro O Teatro Sob Pressão: Uma Frente de Resistência] talvez seja, no momento, a tarefa mais urgente: ele permite reunir numa publicação única dados que se acham dispersos, esboçar as linhas gerais de um panorama, refrescar uma memória coletiva que, diante da velocidade com que a vida nacional evolui, tende a enfraquecer-se progressivamente e construir uma base factual para futuros estudos.” [MICHALSKI, 1989]

Desde o princípio, o escritor deixa claro seu grande desafio no livro O Teatro Sob Pressão: Uma Frente de Resistência: Mostrar que, apesar da repressão, o teatro realizado durante o período ditatorial brasileiro foi muito influente e bem realizado, sem que isso acarrete afirmar que a censura foi um elemento favorável à criação cênica.

Yan Michalski sugere em 1989, o que hoje é bastante notório: a grande problemática do teatro atual. Em decorrência dos altos custos das produções, prevalecem nos palcos os monólogos, as peças de pequeno porte ou os roteiros ínfimos que só atraem o público médio interessado em ver os atores “globais”, nem sempre talentosos.

“O teatro adquiriu, na vida do país, um destaque que nunca antes lhe coubera, e que voltou a não lhe caber a partir do momento em que a ‘distensão’ e posteriormente a ‘abertura’ começaram a desalojá-lo do espaço excepcional para o qual havia sido projetado e no qual soube firmar-se nos tempos mais duros do regime militar.” [MICHALSKI, 1989]

Diante disso, sem qualquer intuito de apologia à ditadura, muito pelo contrário, sobram questionamentos:
Quais os meios possíveis para reviver a grandeza teatral de outrora? Por que a bilheteria do cinema sobrepõe-se, hoje, à do teatro? Como e quando as produções cinematográficas "roubaram" o público e o glamour das peças teatrais?

Recomendações:
O Teatro Sob Pressão: Uma Frente de Resistência, Yan Michalski

Por Que é Tão Dicífil Gostar de Teatro?, Antro Particular

4 comentários:

Dio disse...

Muito boa postagem, gabi. :)

Não sei sobre o teatro na época da ditadura, mas vejo que o de agora não me atrai muito, apesar de eu ainda tentar ir às vezes. Um problema que vejo, por parte de quem faz teatro, é na falta de naturalidade. O ator, por vezes, parece querer mostrar que está "atuando", que aquilo "não é real" e, assim, a coisa toda fica muito expressiva (excessivamente) e completamente artificial.

Por parte do público, é muito mais fácil submeter-se à propaganda de cinema (muito mais barato de se divulgar/distribuir/reproduzir e muito mais lucrativo para as empresas que trabalham com entretenimento) e ir ver a telinha parada com closes e apelações que não exigem nada do público do que arriscar ir ao teatro e ser chamado a participar da peça.

Afinal, quem quer participar daquela palhaçada? Ali tem pessoas vestidas com roupas estranhas, agindo como loucos, como pessoas que não existem nem nunca existiriam (em alguns casos) e ainda querem que nós participemos disso. Muito melhor ir ver O Incrível Hulk ou Matrix.

Pois é. O que uma tela não faz, né? As pessoas acabam esquecendo que os mesmos humanos além-tela são os que dialogam (efetiva e indiretamente) com eles no palco (ou seria picadeiro?) do teatro.

Abraços,
Diogo.

Anônimo disse...

Belo tema e bela abordagem, Gabizoca.

Isso que Diogo falou de teatro picadeiro é a última linha do teatro experimental em voga desde a década de 70. O novo teatro foi, então, uma revolução necessária e enriqueceu o teatro realista.
Todavia me pergunto se não é hora de uma nova mudança. Se o público contemporâneo exige fidelidade à vida real e, por isso procura o cinema, talvez seja o momento de uma nova proposta.
Eu, contudo, gosto de teatro e gosto dessa abordagem experimental. Gosto, justamente, dessa transfiguração, dessa proposta diferente da mesmice que temos acesso na sessão da tarde ou na novela das 8.
Para mim, o que falta é um incentivo nacional ao teatro. Temos no Brasil ótimos atores, produtores e diretores que têm capacidade de realizar verdadeiras obras de arte. Entretanto, falta apoio e sobram produções independentes com corte de custos. É complicado buscar alta qualidade nessas condições.
Já foi provado que, com investimento, há uma melhora significativa. Foi assim com o cinema brasileiro que, é evidente, atingiu um nível muito superior nessa década ao da última. É urgente o alastramento dessa claque ao teatro.
Assim, surreal ou não, o palco brasileiro cativará uma gama mais elevada de propriedade e público. Há espaço para que o cinema e o teatro coexistam no Brasil. Porém, para isso, deve-se possuir uma equivalência entre ambas produções. O defeito da produção cênica brasileira não está no roteiro e atuação, e, sim, na infra-estrutura. A mudança, portanto, deve ser não no modelo de abordagem, mas no alicerce do teatro: patrocínio e divulgação.

Girabela disse...

Diogo, entendo seu posicionamento, mas deixo a reflexão: será que a arte cênica não objetiva exatamente isso? Aproveitando o comentário de Mai, será que o ensejo de quem trabalha com teatro não é ser diferente da "mesmice que temos acesso na sessão da tarde ou na novela das 8"? Até porque desde a sua origem, é perceptível que a preocupação do teatro é outra, mais "surreal".
Em conversa com Gianni, ontem, ela falou uma coisa talvez óbvia, mas que eu nunca tinha pensado. Cinema é bem distinto de teatro, sobretudo pelo olhar da lente, que direciona o olhar de quem assite. Já o teatro, "prega" uma lógica contrária, quem guia o olhar do público é ele mesmo, o palco está lá e tudo acontece nele, cada um tem a liberdade de escolher para onde quer olhar, é mais livre. Por isso, segundo a mesma Gianni, nunca funcionaria um "teatro filmado". "Ouvir" isso me deu um certo conforto, uma tranqüilidade de saber que, ao contrário do que alguns apregoam, o teatro é insubstituível.

Dio disse...

Exatamente, Gabi. É como eu falei pra Mai em conversa hoje pela manhã: "Os diretores de cinema querem dirigir teatro como se fosse cinema. Aí temos duas situações, ou o teatro sai inexpressivo, pois o diretor confia em ângulos[os das câmeras] produtores de expressão que não existem no teatro (mas que ele, por vício ou comodismo, deixa passar) ou, preocupado com essa coisa da expressividade, exageram na dose, e acaba ficando totalmente bizarro."

Não tenho nada contra a expressividade do teatro. Porém, falo do exagero. Dei o exemplo a Mai da peça Lição de Botânica, de Machado de Assis, que vi e não gostei justamente por esse ar de artificialidade desmedida, principalmente, impensada. Porque há peças que se propõem a ser exageradas, pitorescas e bem expressivas. E isso é uma coisa, pois fica de acordo com o molde da peça, porém, o de Lição de Botânica não se propunha a isso, mas sim a reproduzir uma peça realista, de um escritor dessa tendência (ainda que também de outras).

Sobre patrocínio e divulgação, Mai, acredito que se não há patrocínio nem divulgação não é só culpa do business. Talvez até fosse quase que totalmente por culpa do imperialismo da Indústria Cinematográfica, porém, acredito que seja também culpa de um desinteresse geral. Por parte de todo mundo. E por isso o teatro "cai", mais e mais. Porém, é insubstituível, mesmo que por (in)ventura venha a se extingüir, a virar lenda - no que desacredito muito -, nunca vai ser porque outra coisa se colocou em seu lugar.

Abraços,
Diogo.