Estamos a poucas semanas da Copa do Mundo 2014. Há alguns anos, imaginei que estes dias seriam bem diferentes. Sinto falta de mais verde e amarelo, de mais bandeiras, de muros pintados e de felicidade. Ao menos é assim que costumo lembrar das vésperas das copas anteriores. Em particular a de 1994, que não sai da minha cabeça. Lembro de bastante coisa para alguém que tinha apenas cinco anos. Não me esqueço, por exemplo, de que cheguei a escrever uma cartinha para Dunga. Por algum motivo (este, sim, não lembro), o capitão era o meu jogador predileto naquele time inesquecível. Aquela era, oficialmente, a minha primeira copa. De 1990, não recordo nada.
Apesar dos 24 anos sem conquistar títulos (ou por causa disso), em 1994, notei mais entusiasmo nas ruas, ao menos no Recife, minha cidade. Diversos estabelecimentos comerciais e marcas distribuíam tabelas com os jogos da copa. Até colecionei. Depois elegi a mais bonita para marcar os resultados. Nas ruas, era incontável o número de carros que carregavam a bandeira brasileira flamulante na janela. Na escola, a professora (4ª série) mobilizou toda a turma para montar um mural com as bandeiras das seleções participantes. Coube a mim, pintar a Dinamarca. Os muros também estavam pintados de verde e amarelo. Hoje, em contraste, noto certa apatia, apesar de a Copa 2014 ser no nosso quintal.
Claro que a minha visão acerca de 1994 pode estar superdimensionada, afinal, como disse, tinha apenas cinco anos. Depois que a cresci, percebi que a casa de vovó não é tão grande quanto imaginava na minha infância, por exemplo. Sem falar que aquela Copa mexeu demais comigo. Tudo novo e muita emoção. Aprendi sobre prorrogação e pênalti. E que pênaltis aqueles da final! É verdade que detalhes pequenos (!), como regra de impedimento, só aprendi anos depois. Enfim, 1994 é mais especial para mim do que 2002, mesmo com todos os "R" em campo. Taffarel é um ídolo até hoje (inclusive porque joguei como goleira no time da faculdade).
Dos jogos mesmo, lembro muito pouco. Recordo que achei engraçado o nome "Camarões" e o apelido "Laranja Mecânica", alguns dos adversários do Brasil. Só lembro uns flashes desses jogos e, claro, da (incrível) final. Recentemente, revi o duelo contra os italianos. É aquela mesma história sobre a casa de vovó acima, percebi que a seleção não era tão espetacular assim. Mas, se faltava técnica, sobrava garra. E amor. A união e sintonia entre os jogadores era realmente contagiante. E isso até hoje me emociona. A final foi de ameaçar os cardíacos de plantão. A bola não queria entrar de jeito nenhum! Eu não entendia direito como funcionava os pênaltis, mas ficava aflita a cada cobrança. Agradeço demais a Roberto Baggio por ter encerrado aquilo da melhor forma possível. No dia seguinte, fiquei desfilando na rua com uma bandeira do Brasil de plástico, brinde de um jornal local.
Somente há dois anos, conversando com um amigo italiano, descobri que Baggio era ídolo. Muitos garotos italianos aderiram ao seu look na época, à semelhança do que fizeram aqui em 2002, imitando o cabelo à Cascão, de Ronaldo Fenômeno. Sempre me coloquei no lugar do jogador italiano, refletindo acerca da tristeza de ser, ainda que injustamente, a principal lembrança da derrota da Itália naquele ano. Outro fato que só me dei conta (muitos) anos depois, revendo vídeos, foi a homenagem a Ayrton Senna. Afinal, em 1994, ganhamos um título, mas perdemos um ídolo.
Se adoro forçar a memória para lembrar da conquista do tetracampeonato, não preciso me esforçar para esquecer 1998. Não sei se em função do desfecho, mas realmente lembro pouco dessa Copa, embora a partida entre Brasil e França, claro, seja difícil de esquecer. E de engolir.
Em 2002, o Brasil se reergueu com o obstinado Felipão. Mesmo sem Romário. Não faltaram televisões ligadas e a "lei do silêncio" foi rompida. A torcida não parava nem de madrugada.
Enfim, nasci numa época em que Copa virou, praticamente, sinônimo de "Brasil na final", ainda que nem sempre campeão (malditos franceses!). Fiquei mal acostumada. Sofri nas Copas seguintes com a ausência das cores verde e amarela nas finais de 2006 e 2010. E me enchi de esperança quando descobri que, em poucos anos, o Brasil jogaria no Brasil a próxima Copa do Mundo. Não recordo quando me dei conta disso, mas os planos foram muitos desde então. Meu desejo era ver todo o espetáculo de perto e, principalmente, sentir a mobilização de todo o País para esse grande evento.
Eis que chego no hoje e encontro um cenário diverso dos sonhos. Afinal, a seleção não jogará tão no meu quintal assim. Para ver o Brasil jogar, precisaria me deslocar, no mínimo, uns 700 quilômetros. O jogo mais próximo ocorrerá em Fortaleza, onde encontraria hospedagem por preço elevado, se me dispusesse a pagar por passagens de valor considerável. Lógico que a Copa não é para todos. E não seria diferente justamente no Brasil, um país repleto de desigualdade. Mas o que me entristece não é isso.
Frustante mesmo é não ver hoje o que elenquei no primeiro parágrafo deste texto, cheio de tergiversações e memórias. Os brasileiros não estão satisfeitos com a forma como as coisas foram conduzidas, com os elevados e inflacionados (!) gastos com os estádios. Também entristece a nação observar que os estrangeiros questionam (com razão) a infraestrutura que temos para oferecer. Os governos de seus países promovem alertas sobre a falta de segurança no Brasil. Os turistas têm medo de vir para cá. Contudo, imensamente mais duro é perceber que nós, brasileiros, temos cada vez mais medo por viver aqui. Cadê o verde e amarelo nos muros e as bandeiras nas ruas? E, principalmente, cadê a felicidade de estar sediando o que poderá se traduzir no hexacampeonato da seleção brasileira? Que as reflexões acerca do momento que estamos vivenciando no País e as ações efetivas para solucionar tudo isso sejam o grande troféu que conquistaremos nesta Copa. Vai que é tua, Brasil!