domingo, 29 de abril de 2012
Domingo no parque
Fim de tarde ensolarado - o que tem sido raro por aqui, mesmo com a primavera -, eu conversava com um garoto português, 25 anos, universitário. Estávamos num parque. Ainda não sei ele é uma exceção, mas me impressionei bastante com o que disse. Nada de "date". O parque serviria mesmo como palco de mais uma das minhas "experiências antropológicas" pelas bandas de cá. Antes de contar sobre o que conversamos, vou voltar um pouco no tempo e falar sobre a expectativa que eu sentia, ainda no Brasil, sobre como os portugueses enxergam a colonização que fizeram na minha terra natal. Imaginei que a versão deles sobre o massacre aos índios, o tráfico negreiro e o rapto do nosso ouro seria bem mais branda do que a aprendida nas nossas aulas de História do Brasil. Mas, mesmo assim, ainda me surpreendi. Concordo com ele que, enquanto povo, somos quem somos graças a Portugal. Até porque nossa cultura e nossa origem remontam também a esse país. Inegável. Mas daí a dizer que a colonização portuguesa foi a mais respeitosa do mundo é bem discutível. Comparar o que ocorreu no Brasil com o processo de domínio realizado pela Espanha nos países da América também não é um bom argumento para validar essa tese. É sabida toda a destruição sofrida pelas "civilizações pré-colombianas". Mas eufemizar o que foi feito contra os índios no Brasil é um tanto ingênuo (!). Ouvir que os portugueses respeitaram a "inaptidão indígena para os trabalhos na lavoura" me soou muito mal. Dizer que a predileção pela escravidão negra se deu pelo fato dos índios preferirem dormir em rede a trabalhar, enquanto que os africanos tinham essa aptidão, me parece de uma ignorância sem tamanho. Como se alguém pudesse estar apto a escravidão e como se ninguém preferisse "dormir em rede" a ser escravizado. Não é preciso muito esforço para entender que a opção de Portugal pelo trafico negreiro foi econômica. Nada tinha a ver com respeito ou preguiça. Falei "ingênuo" acima porque essa informação foi recebida pelo garoto como novidade. Imaginei que o problema estava no que as escolas daqui ensinam sobre o que ocorreu lá. Aquela coisa de existirem versões e versões sobre um mesmo fato histórico. Durante muito tempo, por exemplo, as elites dominantes brasileiras fizeram (ou ainda fazem?) valer a sua versão nos ensinamentos dados nas escolas. Contudo, há de se ponderar que eu e você tivemos conhecimento, na escola, sobre as atrocidades (e foram muitas!) praticadas pelo Brasil durante a Guerra do Paraguai, para citar o exemplo concedido por um amigo brasileiro com quem comentei o diálogo do parque. Sabemos até que a população masculina paraguaia foi quase toda dizimada durante o confronto (falam de 80 a 95% de mortos nessa população). Temos tanta noção do que ocorreu de 1864 a 1870 no Paraguai que muitos utilizam essa guerra como argumento contrário à abertura dos "documentos sigilosos", prevista pelo Projeto de Lei Complementar nº41/2010. Como já disse, não sei se esse desconhecimento do garoto é uma exceção entre os portugueses ou se realmente é assim que a expansão de Portugal no além-mar é ensinada nas escolas daqui. Vou buscar a resposta. Nossa conversa, ainda bem, não terminou em briga. Ainda no parque, diante de tanta polêmica, passamos a falar sobre pastel de nata, esse sim é, indiscutivelmente, delicioso.
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